sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

SUBSTITUINDO O OU PELO E

Nossa civilização ocidental que se construiu toda referenciada no pensamento racional e analítico, enquadrou nossa visão de mundo em um rígido paradigma cartesiano e mecanicista que a cultura oriental, o Xamanismo , a Física Quântica e as linhas transpessoais da Psicologia tentam em conjunto libertar.

Holístico e sistêmico são duas palavras modernas que refletem uma velha/nova compreensão da vida :  quem quer que seja Deus é um único organismo consciente e inteligente do qual somos “partes” interligadas, interconectadas, interagentes e interdependentes como uma  verdadeira teia viva e magneticamente pulsante.

Dentro desta perspectiva multidimensional de infinitas possibilidades podemos dizer que somos muitos dentro de nós.

Temos rigorosamente todo o Universo dentro de nós. Em todos os níveis, do material ao simbólico/arquetípico.

Temos dentro de nós todos os elementos da Natureza, carregamos em nosso DNA toda a informação desde os primórdios da Criação e trazemos em nosso interior potencialmente todas as qualidades e virtudes que acabaram sendo expressas antropomorficamente nas diversas mitologias criadas pela humanidade como deuses, orixás, anjos, etc.

Desta forma, talvez precisemos substituir o OU pelo E.

Por exemplo, o que está acontecendo ao planeta hoje está profundamente desequilibrado, claro, qualquer pessoa sensível e informada sabe disso.

 Mas simultaneamente nada do que está acontecendo está exatamente errado. Errado e desequilibrado são coisas bem diferentes e precisam ser separadas como conceito.

 Se formos achar que as coisas que estão acontecendo estão erradas, teremos que presumir que Deus se esqueceu de nós, ou que Satanás foi mais eficiente que Ele, ou ainda que o ser humano tem um livre arbítrio tão fantasticamente poderoso a ponto de atropelar a ordem cósmica ao seu bel prazer.

Isso talvez venha emergencialmente resgatar para nossa cultura ocidental conceitos nucleares de algumas antigas religiões expressos por exemplo no TaoTeKing (ação na inação e inação na ação) e na Bhagavad Gita.

É o fio da navalha entre o não ser omisso e agir da melhor forma possível, e ao mesmo tempo compreender que não estamos aqui para fazer nada além de descobrirmos e re-experienciarmos quem realmente somos – a Unidade.

A simples e ao mesmo tempo extremamente complexa idéia de agir competente e eficientemente com neutralidade e sem apego, e simultaneamente nos desapegarmos e sermos neutros sem sermos indiferentes ou omissos.

Me parece ser importante (e urgente) também re-significar o paradigma maniqueísta ainda vigente onde temos que optar entre ser bons OU maus, feios OU bonitos, mocinhos OU bandidos, pecadores OU virtuosos, e por aí vai, como se fossemos máquinas coerentes e analógicas.

Segundo as tradições antigas, somos bons E maus, mocinhos E bandidos, pecadores E virtuosos. Pois trazemos todas as qualidades potencialmente “morando” dentro de nós, e que só precisam de determinados contextos e situações para que estas facetas se expressem de uma ou de outra forma.

As vezes como santos, as vezes como pecadores. As vezes como mocinhos ou as vezes como bandidos.

Talvez uma compreensão profunda deste fato venha desenvolver uma maior compaixão entre os seres humanos.

Importante frisar que compaixão não é pena nem complacência. Compaixão, entre outras coisas, é considerar amorosamente que se você estivesse no lugar do outro talvez tivesse feito igual.

ERNANI FORNARI




SOBRE A PRIMEIRA E A TERCEIRA IDADES

   I. Dentre as muitas coisas das culturas orientais e das culturas xamânicas que me marcaram profundamente está a forma como hindus e os índios lidam com a educação das crianças e com a velhice.

    Hoje sou muito grato ao Universo por ter tecido o meu encontro com estas duas tradições.

    Isso mudou radicalmente o meu padrão de relação com meus filhos e com meus pais, e norteou para mim a possibilidade de uma via de envelhecer muito mais plena e saudável.

    Não é interessante que em muitas culturas orientais, o melhor cômodo da casa seja destinado para as pessoas mais velhas ?

    Nas culturas indígenas os anciões são quem lidera, decide, orienta e ensina. Todo respeito (e ouvidos) lhes é devido.

    Na cultura nativa norte-americana a maturidade está relacionada com o ponto cardeal Norte, o lugar dos ancestrais e dos Mestres.  E em muitas destas etnias indígenas, só pode ser portador do Cachimbo Sagrado quem já é avô.

    O Norte é o ponto da Roda de Cura onde já se tem o que ensinar, onde já se tem experiência e know-how para passar.

    E isto era extremamente importante tanto para a preservação da cultura e do Conhecimento, quanto também para a preservação física da própria tribo.

    Penso que uma pessoa idosa deveria ter três coisas para compartilhar com a gerações mais jovens :  a experiência da vida, os conhecimentos e a Sabedoria.

    Experiência da vida - ou vivência - é aquele tipo de conhecimento fruto do tempo cronológico vivido. Basta ser velho para ter experiência da vida.

    Este tipo de vivência nivela, por exemplo, o catedrático de física e o peão da roça.

    Por outro lado, conhecimentos, acúmulo de informações, de cultura, técnicas, talentos, habilidades, todos os idosos também tem, cada um na sua área de atuação e de interesses.

    O terceiro tipo - que chamei de Sabedoria - é um tipo de conhecimento oriundo de uma vida inteira dedicada – conjuntamente com a vida rotineira - ao exercício da tarefa mais importante do ser humano : sua jornada de auto-conhecimento rumo à Unidade.

    Este exercício que é tão comum aos universos oriental e nativo, não teve eco em nossa cultura branca (fora da esfera da religião institucionalizada), e parece que tudo o que nossos velhos podem nos dar são testemunhos da sua vivência e informações sobre seus conhecimentos, o que obviamente é maravilhoso.

    A Sabedoria foi relegada pela nossa cultura ocidental que só privilegiou a mente racional, e não fez da Iluminação a meta principal da existência.

    Nossa cultura branca ocidental é das poucas que além das pessoas nascerem, crescerem, aprenderem um oficio, casarem e procriarem, não se submetem a algum tipo de processo constante de auto conhecimento, ao contrário das culturas orientais e nativas.

    O que esta nossa cultura oferece além da religião (que não necessáriamente é um processo de auto conhecimento), é a Psicologia, que é uma via de auto conhecimento infelizmente ainda pouco difundida e praticada pela maioria da população.

    Hoje, em nosso mundo hi-tech globalizado, descartável e competitivo, a vivência e os conhecimentos práticos dos velhos já não são preponderantes para a preservação física da nossa espécie.  
  
    E como lhes falta também esta Sabedoria ancestral característica de culturas que se dedicaram durante milênios às questões mais primordiais da existência - “quem somos, de onde viemos, e para onde vamos”- vemos nossa cultura tratar o idoso muito mal.

    Repare como os índios, os hindus, os japoneses e os chineses cultuam e reverenciam os antepassados.

    A gratidão, o respeito e o reconhecimento. 

   II. Sobre crianças, gostaria de compartilhar uma interessantíssima conversa que tive há anos atrás com uma mãe indiana, numa situação onde tinham crianças brincando perto e a conversa acabou caindo em educação.  
      
    Percebi que esta indiana, que era muito tímida, não estava expressando exatamente a sua opinião. Acabei insistindo e ela bastante envergonhada disse : “Vocês criam as crianças enfatizando os seus defeitos”. 

    Uma lâmpada acendeu, a ficha caiu e eu perguntei como ela fazia, e ela deu um exemplo prático mostrando as crianças que brincavam :

    “Por exemplo, se uma criança exibe um sintoma de ter dificuldade em compartilhar, arranca os brinquedos dos outros, bate neles, não empresta o brinquedo dele, o que vocês fazem normalmente ? Gritam (geralmente com raiva) dizendo que a criança é egoísta, pão dura, enfatizando e registrando mais ainda a característica negativa em questão. Isso quando não as colocam de castigo ou batem nelas... “

    Bem, aí eu perguntei como ela faria neste caso, e ela me respondeu que procuraria habilmente criar uma brincadeira ou uma situação qualquer onde ela tivesse que compartilhar e percebesse que era bom e prazeroso compartilhar, dividir.

    Aí o que eram tendências de defeitos ainda em formação, poderiam ser transmutadas nas qualidades opostas.

    Um desdobramento interessante desta situação se deu quando uma amiga, para quem eu havia contado este episódio com a indiana, foi passar um período em uma tribo no interior do Brasil, e presenciou uma cena absolutamente similar ao exemplo que a indiana havia dado, ou seja, as índias se comportaram como as indianas em um episódio muito parecido.

ERNANI FORNARI


SOBRE CONCEITOS E PRECONCEITOS

I.             Há alguns anos atrás em meio a uma conversa “papo cabeça” onde estava presente uma pessoa, que não me lembro mais quem era e nem se era católica ou evangélica, mencionei en passant os Orixás.

A pessoa em questão na mesma hora fez uma cara meio entre o horror e o nojo (expressão esta que depois voltei a ver várias vezes em outros papos na presença de outras pessoas cristãs), e proferiu alguma “verdade” preconceituosa tipo “Orixás são demônios” ou algo do gênero.

Aí perguntei para esta pessoa se ela acreditava nos Anjos, e ela prontamente me respondeu que sim.

Em seguida perguntei o que ela achava que os Anjos eram, ao que ela me respondeu que os Anjos eram seres que Deus havia criado para cuidar da Criação e do ser humano.

Não querendo polemizar, pensei cá comigo que se esta pergunta fosse feita, por exemplo, a um babalaorixá africano (Quem são os Orixás?) ou a um brahmane hindu (Quem são os Devas?) com toda a certeza a resposta seria exatamente a mesma.

E fica aqui a reflexão : como é maravilhosa a natureza absolutamente democrática de Deus que atendeu à enorme diversidade da humanidade, e se apresentou a cada povo ao longo da História respeitando profundamente as suas características geográficas, históricas, raciais e culturais.

Seria realmente um absurdo divino, por exemplo, os negros africanos ou os vermelhos nativos das Américas acessarem os Seres Divinos como anjos de pele branca, louros, de cabelos lisos e longas vestes...

Ao mesmo tempo parece não ocorrer aos cristãos que os povos negros, indígenas e orientais possam ter também uma visão demoníaca – e talvez com muito mais razão – a respeito de uma religião que manteve uma inquisição por mais de um milênio matando muito mais gente que as duas guerras mundiais por motivos torpes, fomentando pilhagens e chacinas chamadas de Cruzadas, sendo conivente (ou no mínimo omissa) com os genocídios e a escravidão que ocorreram nas 3 Américas, e mais recentemente acobertando a pedofilia e outros escândalos no Vaticano. E isso só para citar uns poucos fatos, pois tem muito mais.

II.                  Interessante como as igrejas evangélicas não entendem que Jorge, Francisco de Assis, Antonio, Inácio, Bento e tantos outros cristãos maravilhosos cujas vidas foram e são exemplos de fé e de virtude, não tem culpa nenhuma se a igreja católica deu para eles o título de "santos" e estimulou uma espécie de idolatria como se só eles tivessem o email de Deus.

Interessante como as religiões cristãs com sua obcessão por culpa e pecado - ao contrário por exemplo das orientais - não conseguiram entender que já nascemos perfeitos e prontos, só que ignorantes desse fato. Senão o que mais significaria sermos feitos "à imagem e semelhança de Deus" ?

Por isso os Santos, Anjos, Gurus, Devas e Orixás rigorosamente não nos podem dar nada, pois já somos essencialmente plenos e perfeitos e não nos falta nada. 

Mas estes mesmos Santos, Anjos, Gurus, Devas e Orixás fazem um trabalho indispensável e importantíssimo ao nos ajudarem a descobrir e realizar que já somos o Deus que tanto (e inutilmente) buscamos fora. 

Interessante também foi o processo da formação dos mitos, quando cada cultura colocou externamente, de maneira antropomorfizada, todas as virtudes, potencialidades e qualidades que todos temos dentro mas ainda não experienciamos plenamente. Aí cada cultura construiu sua própria estrutura mítica - sua mitologia - de forma a constantemente espelhar para nós a nossa própria natureza essencialmente una e divina.

Para os orientais os santos e deuses, como expressões do mesmo único Deus, são como que símbolos cuja função maior é nos lembrar (e nos inspirar) continuamente de nossa natureza una e perfeita.

Interessante como mesmo assim, ainda continua-se buscando fora aquilo que já se tem dentro, num exercício quase infantil de idolatria e de mendicância espiritual.


III.           Foi há muitos anos atrás, quando aluguei meu sitio para uma família adventista que ficou tentando acirradamente me converter para o Criacionismo (embora eu não empunhasse nenhuma bandeira darwiniana), que eu tive o meu primeiro insight sobre se estas duas correntes de pensamento teriam obrigatoriamente que ser antípodas e antagônicas, ou se de repente quem sabe, poderiam ser complementares.

E isso me linkou imediatamente com uma palestra de um monge indiano que assisti nos anos 80, quando lá pelas tantas ele contou que uma vez estava fazendo uma palestra em um mosteiro católico, e no final um dos monges lhe perguntou se ele acreditava que Deus havia criado o mundo.

E o swami respondeu ao monge que, segundo a sua tradição, ele acreditava que não só Deus havia criado o mundo como o estava criando constantemente.

Então a pergunta que não quer calar é: Porque Deus não pode realmente estar criando (como querem os criacionistas) incessantemente a vida como um complexo processo evolutivo (como quer a ciência) ?

Qual é realmente o problema dos criacionistas com a possibilidade de um processo evolutivo ?

Porque a possibilidade de Deus ter feito tudo pronto e acabado é mais bacana e verdadeiro do que a Criação se processar nesta constante expansão da vida que os orientais, os xamãs e a Física Quântica conhecem tão bem?

E quem disse que Deus criou um produto final acabado ?  A Bíblia?

Ok. E isso vai nos remeter para uma outra questão também muito interessante:

Os criacionistas se baseiam justamente no livro do Genesis - que até detalha o que foi criado em cada um dos 7 dias - para formularem os seus argumentos.

Bem, nos primórdios da Igreja quando os lideres de então se reuniram para estruturar o que se tornou a Bíblia Sagrada, resolveram anexar ao material cristão (os evangelhos e as epístolas, entre outros) – que eles chamaram de Novo Testamento – a Torah judaica, que eles chamaram de Velho Testamento.

Ora, se o Genesis é o primeiro livro da Torah, porque os cristãos ao invés de resolverem dar a um mito uma interpretação literal, não foram perguntar aos rabinos judeus o que aquele texto realmente queria dizer?

Até porque não faz muito sentido anexar na escritura de uma religião um livro de uma outra religião e ainda mudar a interpretação do que foi escrito. E foi isso exatamente o que a Igreja fez (e que depois o Protestantismo manteve).

Se Jesus disse que não veio mudar a lei (e deve ter sido porque ele era judeu que resolveram colocar a Torah na Biblia cristã), porque então os cristãos não aceitaram a exegese judaica do Genesis ?

Além do texto ser claramente um mito da criação - como tantos outros que a humanidade produziu ao longo da sua história - sabemos que a chave deste conhecimento que foi revelado para Moisés está no estudo profundo do que os judeus chamam de Kaballah.
Ou seja, só os judeus que estudam a Kaballah é que podem saber o que realmente o Genesis (bem como todo o Pentateuco) quer dizer !

E me parece que procurar se informar sobre isso é mais inteligente do que ficar tentando provar que a criação do mundo só tem 6000 anos e que o teste de carbono 14 é mais uma das fantásticas formas de Satanás nos enganar.

ERNANI FORNARI


SOBRE ATEUS E AGNÓSTICOS

Tive contato com muitos ateus e agnósticos ao longo da minha vida.
Principalmente com comunistas, médicos e psicanalistas ateus.

Eu também concordo, em certa medida, que a religião é o ópio do povo.

Mas sempre me chamou a atenção o fato de que praticamente 100% dos ateus que conheci, independente da origem do seu ateísmo, eram ateus basicamente em função da concepção teológica vigente em nossa cultura ocidental, que prega um Deus pessoal, machista e vingativo, que ainda por cima tem um anjo caído como inimigo constante, e que diz que se você seguir o book direitinho e resistir ao inimigo, vai para o Paraíso, mas se não andar na linha vai arder eternamente.

Isso é o que nos é apresentado pelas igrejas cristãs, judaica e mulçumana, todas fundamentadas no chamado Velho testamento.

Como entrei muito cedo em contato com o universo da filosofia e das religiões orientais (e posteriormente com o universo das culturas nativas), desde bem cedo acessei outras concepções a respeito do que - ou de quem - seria o que chamamos de Deus.

E como não sou exatamente uma pessoa mística nem religiosa e nem pertenço a nenhuma instituição ou organização nesta área, sempre transitei pelo universo das religiões e do esoterismo com muita autonomia, independência e liberdade.

Então pude, por diversas vezes, passar pela interessante experiência de explanar - mas sem a intenção de doutrinar ou de tentar convencer - para um ateu algumas concepções diferentes de quem poderia ser Deus (por exemplo, as concepções vedântica, taoista e budista, e que são em sua essência, bastante parecidas) e quase sempre ouvia a seguinte frase: “Se Deus for assim eu até acredito”!

Interessante como a concepção vigente de fé exclui a inteligência e o raciocínio.

E é interessante também como a alternativa para quem não se afina com as concepções teológicas e filosóficas da Igreja, acaba sendo a Ciência, que também só é atéia em função dos conceitos preconizados pelas religiões vigentes.
E isso deu margem a que se implantasse em nossa cultura um pensamento cartesiano e mecanicista, polarizado entre Religião X Ciência.

A Física Quântica é um bom exemplo da aproximação da Ciência com o que tem sido até agora abordado sob uma ótica mística e religiosa.

A grande parte dos conceitos da Física Quântica (assim como da moderna Psicologia) já eram conhecidos – dentro, óbviamente de outros parâmetros – pelas culturas antigas.

Alguns dos pais da Fisica Quântica, como W.Heisenberg e Niels Bohr, eram muito interessados e estudiosos dos conhecimentos orientais, especialmente da India.

Bohr, por exemplo, dava conferências sobre as escrituras hindus e Heisenberg visitava a India.

E pessoas como Maharishi Mahesh Yogi, Fritjof Capra, Ken Wilber, Amit Goswami e Deepak Chopra também sabem disso e ajudam a consolidar esta ponte.

Talvez em breve não seja mais necessária a separação entre espiritual e material, religioso e mundano, natural e sobrenatural.

Provavelmente estas polarizações aconteceram em função da simples ignorância das leis universais. 

Talvez possamos agora entender que tudo é natural no Universo. Não há sobrenatural.

Tudo o que até hoje tem sido abordado segundo uma ótica religiosa e mística, pode também ser visto sob uma outra ótica, que poderíamos chamar aqui de vários nomes : holística, quântica, sistêmica...

Me parece que o conceito de sagrado não precisa mais estar necessáriamente atrelado ao ambiente religioso.

Sempre que me deparo com alguém agnóstico nas consultas ou nos cursos, me lembro de um amigo que dizia: “Imagina você explicar para um cara da Idade Média sobre alguém conversando (e com imagem) em tempo real com outra pessoa do outro lado do mundo em um IPad! Dava fogueira na certa ! “

Uma caixinha de plástico (aliás só tentar explicar plástico já daria fogueira) que fala e vê do outro lado do planeta só pode ser magia negra! 
Porque a internet e a telefonia celular, por exemplo, seriam menos fantásticas e mais reais do que a mediunidade, a telepatia, a reencarnação, etc,etc???”

É só porque sobre a caixinha que fala e vê, a nossa Ciência atéia descobriu as leis que regem os seus processos e aprendeu a capitalizar-las e a instrumentaliza-las.

No que se refere ao que ainda se considera do domínio do religioso, do oculto, do místico e do esotérico, não há ainda por parte da ciência ocidental um respeito e um reconhecimento da autoridade das culturas antigas – como as da India, da China, do Egito, das África, dos índios - que descobriram, sistematizaram e operacionalizaram outras tantas leis universais, mas sob outros paradigmas e utilizando outros parametros de investigação e de instrumentalização.

Talvez um dia a palavra religião (que vem de religare = religar) não esteja mais atrelada à idéia de religião institucional.

E vou confessar : em relação a este Deus - pessoal, barbado, que mora nas nuvens, que joga raios, que pune e recompensa, e que tem seu povo eleito - tipo o Allah dos mulçumanos e o Jeovah dos judeus e cristãos, eu também sou ateu !

ERNANI FORNARI
SOBRE OS PAIS

     Ressignifique no seu coração os sentimentos desequilibrados e equivocados que você porventura tenha em relação aos seus pais. 

    Nós temos o hábito de imputar aos nossos pais culpas por coisas que eles nos falaram (ou que não falaram) e pelo que nos fizeram (ou que não fizeram), que foram coisas que nos fizeram sofrer, ter problemas com auto-estima e com auto-valor, e que acabamos nutrindo raivas, medos e/ou tristezas que nos impedem de deixar fluir uma relação leve – conosco, com eles, com os outros e com a vida em geral.   

    E nós ainda estamos mais ou menos presos no(a) garotinho(a) ferido(a) e vivemos muitos conflitos com nossos pais por conta disso, querendo cobra-los, muda-los ou mesmo puni-los.

    Se considerarmos que nós pré co-contratamos e co-atraímos tudo o que nos acontece, foi também assim que aconteceu entre nós e os nossos pais (aliás, Kardek falou bastante sobre isso).

    Todos nós nos escolhemos mutuamente porque este encontro propiciava exatamente os exercícios que cada um precisava viver para crescer e para se expandir.

    Este encontro disponibilizava os espelhos perfeitos para que material inconsciente emergisse a partir destes relacionamentos e fosse curado.

    Nossa vinda aqui com certeza não é fruto de um acaso cósmico nem de uma brincadeira aleatória da biologia, física e química.

    E aí com esta consciência podemos passar a ter uma outra perspectiva a respeito dos erros e das falhas dos nossos pais (que também tiveram pais que erraram e falharam, e assim por diante).

   A verdade é que todos nós sempre fazemos o nosso melhor e sempre fazemos o que é o possível. Se pudéssemos ter feito melhor não teríamos feito ?

    Assim também foi com os nossos pais. Além do mais, eles também tem as questões com os pais deles e também tem suas dores e limitações.

   Então veja bem que tudo aquilo que você até hoje tinha entendido como sendo você uma vitima dos erros e defeitos dos seus pais, na verdade foi tudo um precioso material de trabalho que seus pais amorosamente disponibilizaram para você.

    Além do amor, da educação, dos cuidados e do sustento material, também vieram os obstáculos, as dificuldades, os desafios, os problemas, os conflitos, exatamente os exercícios que você pediu e precisava.  

   O fator complicador é que crianças não sabem que não são o centro do mundo, não sabem que os pais não são perfeitos e não sabem que a maior parte das coisas difíceis que vieram deles tem muito mais a ver com eles e os pais deles do que com a gente.

   Mas como crianças não sabem disso, receberam tudo como se fosse pessoal quando na verdade foram apenas projeções. 
       
   A partir destas perspectivas, só precisa permanecer a gratidão no seu coração em relação aos seus pais. Gratidão pelos exercícios que seu Eu Superior atraiu para você através deles.   

   Olhe para trás e veja quanta superação, quanto aprendizado e quanta experiência adquiridos com todo esse espelho de Luz e Sombra que nossos pais nos proporcionaram.
   Quando não procedemos assim ficamos mantendo nossos pais na nossa frente – simbólica e energeticamente falando - e aí vamos transferindo-os para as pessoas das nossas relações.

   Ou seja, nosso marido “vira” nosso pai, nossa esposa “vira” nossa mãe e por aí afora, na tentativa (inútil) do nosso psiquismo de se auto-regular.

    Vamos re-colocar nossos pais no lugar energético e simbólico deles que é atrás de nós com toda a linhagem masculina e feminina de nossa família atrás deles.

    Devolva interiormente (e amorosamente) para eles tudo o que eles te falaram (suas crenças, expectativas, cobranças e julgamentos) e te fizeram, pois isso pertence a eles.

    E todos eles estarão lá, na sua retaguarda, dando o suporte ancestral e energético necessário ao desenvolvimento saudável das gerações seguintes.

    Aproveite também para re-significar sua concepção de “dívida” em relação aos seus pais.

   Nossas “dívidas” são sempre para com o Universo. Aliás, nem são exatamente dívidas (por isso coloquei entre aspas). 

   Como tudo no Universo é na mão dupla - na causa e no efeito - nós temos apenas que devolver ao Universo o que recebemos para assim manter a dinâmica do fluxo da espiral evolutiva.

   Quando nós amamos, cuidamos e fazemos as coisas necessárias pelos nossos filhos, estamos retornando ao Universo as coisas que recebemos de nossos pais. Nossos filhos não nos devem nada.  

   Eles, por sua vez, vão retribuir ao Universo o que receberam de nós, amando e cuidando de seus filhos.

    Nossos filhos não são necessariamente ingratos se não procederem em função das nossas benesses da forma que gostaríamos e esperamos. Eles não são nossos devedores. O que fizemos por eles, fizemos para saldar com o Universo o que recebemos de nossos pais.

    Se não temos esta consciência e não procedemos assim, acabamos muitas vezes repetindo padrões paternos. Ou para tentar curar os pais e/ou para tentar compreende-los.

     Tanto é assim, que vejam como é alto, por exemplo, o índice de suicidas filhos de suicidas e alcoólatras filhos de alcoólatras.

     As Constelações Familiares de Bert Hellinger trabalham muito dentro desta idéia.

    Os índios também dão muita importância para perceber os padrões negativos da ancestralidade que porventura ainda estejam no presente, para curá-los, de forma que não passem para as gerações seguintes.

    Por outro lado, temos ainda outro compromisso para com o Universo, que é cuidar de nossos pais na velhice, como eles cuidaram de nós na infância, mas sem infantiliza-los, é claro, como é o que a maioria acaba fazendo.

       Ainda aqui, ninguém deve nada a ninguém. O Banco é sempre o Universo - a Inteligência Absoluta e o Amor Incondicional.

      Mas lembre-se: o mandamento diz “Honrar pai e mãe”, e não “Amar pai e mãe”.

      Se você teve pais que o abusaram, agrediram, feriram, não é obrigatório que os ame.

      Ninguém é obrigado a amar quem o fere. E ninguém tem que se sentir culpado por não amar pais violentos ou ausentes.

     Mas tem que honrar. Honrar é não negar, não excluir do seu sistema.

     Você não precisa frequentar, se relacionar, mas não deve fingir que eles não existem e negar sua paternidade e existência.

     No mínimo, no mínimo, eles te deram este corpo físico.

ERNANI FORNARI


SOBRE A SOMBRA

    A Física Quântica é a ciência das infinitas possibilidades e a ciência que estuda as interconexões entre todo o Universo.

   Segundo F. Capra, as interconexões (ou relacionamentos) tem até mais importância do que as “coisas” que se interconectam, porque estas coisas não existem como coisas inter-separadas, mas pensam, sentem, agem e vivem como  se fossem entidades separadas, e precisam se interconectar para (re)descobrirem que são Um.

    As interconexões existem para provocar o exercício de expor a sombra (que é quem fomenta a crença da separatividade) e trabalhar na direção em que vai todo o movimento universal, que é a busca do estado original de Unidade.

    Este movimento universal de homeostase, expansão e transcendência é chamado pelos hindus de Sattwa Guna.

   Todas as coisas que passamos e experienciamos na vida, imprimem uma informação psico-emocional em nosso inconsciente.

   As coisas positivas que vivemos, nossas vitórias, os reconhecimentos, o afeto e apoio que tivemos, aquilo que conquistamos, os obstáculos que superamos, tudo isso vai imprimir informações psico-emocionais “positivas” em nosso inconsciente como se fosse um software.

   Por outro lado, as perdas, as traições, as faltas, as violências, as injustiças, as carências e as derrotas, bem como nossos defeitos, falhas e imperfeições humanas, vão imprimir informações psico-emocionais “negativas”, como softwares com vírus e bugs.

   Entenda-se por positivo e negativo aqui não um julgamento moral, mas as polaridades energéticas universais. Até porque não acredito em nada que seja negativo, mau, errado ou ruim no Universo. Tudo são apenas aparências. Obstáculos para serem superados. Material de trabalho.

   Então, o que chamamos de personalidade e caráter é o resultado destas duas instâncias que poderíamos chamar de a Luz e a Sombra em nós. A parte de nós que trabalha a nosso favor e a parte de nós que trabalha “contra” nós. Aonde nós nos ajudamos e aonde nos atrapalhamos, aonde nós oferecemos resistências.

   É como se tivéssemos um jogo de futebol acontecendo em nós permanentemente. O time da Sombra e o time da Luz. E a gente fica tentando fazer com que o pessoal do time da Sombra passe prá Luz.

   Isto vem trazer diversos desdobramentos:  

   - Primeiro, a necessidade de ressignificarmos nossa Sombra – nossa natureza mais animal, nossos defeitos, falhas, erros, imperfeições, dificuldades, bloqueios, raivas, tristezas, medos, padrões e crenças limitantes e dolorosas...  e também todo nosso potencial, capacidades e talentos ainda não desenvolvidos.

   Nossa Sombra não precisa mais ser vista como um mal, como um castigo ou um estigma. Nossas dores e limitações não precisam ser mais vistas como algo inevitável e irreversível, nem como necessariamente culpa dos nossos pais, de Deus, do governo, dos patrões, do sistema, ou pior, de nós mesmos.

   Nossa Sombra é apenas o material de trabalho – pendências do passado - de que dispomos para nos aperfeiçoarmos nesta encarnação.

   O que chamamos de defeitos, falhas e erros, são na verdade nossos obstáculos, testes, exercícios, aprendizados, treinamentos, e que, diga-se de passagem, foi tudo pedido, pré-contratado, aceito e atraído por nós para nosso desenvolvimento e evolução, numa parceria perfeita, justa e inteligente com o Universo.

   Nossa Natureza Real é a Unidade, o Equilíbrio, a Harmonia, a Felicidade, a Paz, o Amor e a Luz. Já fomos construídos prontos e perfeitos, apenas sofremos de uma profunda ignorância deste fato.

   Absolutamente não somos pecadores, nem culpados e nem vitimas de nada e nem de ninguém.

   Tudo em nós que não sejam as qualidades e virtudes citadas acima, não é realmente o que nós somos. É apenas como estamos no momento, temporariamente, fruto da nossa limitada perspectiva humana. Só tem realidade virtual dentro da realidade relativa que construímos. São nossas crenças, bloqueios, padrões, auto-imagem, personas.

     No Hinduísmo, estas informações psico emocionais se chamam samskaras (impressões, que geram vasanas : caráter, personalidade, tendências) e no Alinhamento Energético chamam-se “corpos energéticos”.

     E os hindus também consideram que todas as emoções ditas negativas, emanam de uma única emoção central, nuclear, que é o medo de morrer, e que, por sua vez, também tem origem em um medo ainda mais atávico e visceral que é o medo da dissolução do ego no Todo, o medo de perder a falsa identidade individual.

 - Em segundo lugar, poderíamos dizer que a equação do crescimento pessoal é, inevitavelmente e invariavelmente : entrar na consciência do que está reprimido, resistido e defendido " aceitar (entender a função do que foi atraído como material de trabalho) " fazer um movimento para transmutar e integrar.

   Trazer para a consciência através de reflexão, meditação e/ou terapia, nossas crenças e padrões limitadores, bem como nossa Luz, talentos e potencial. Mas só trazer para a consciência não é suficiente. Temos então que...

   - Aceitar. Olhar para nós mesmos com maturidade, com neutralidade e compaixão sem comparar com nada nem com ninguém, entendendo a função do que nos acontece e aceitando que se está aqui neste laboratório planetário, neste teatro cósmico, para transformar a Sombra em Luz. Ninguém tem “cacife” para julgar ninguém, nem mesmo si a próprio.  Tentativa e erro é justamente o que temos que fazer para aprender e crescer. Trazer a Sombra para a consciência, sem a sua aceitação subsequente, pode gerar muita culpa e muito stress. E a porta para aceitação é a compreensão da função, do exercício evolutivo que determinada pessoa ou situação que atravessou nosso caminho, está nos chamando para trabalhar.

   - Finalmente, fazer um movimento para transmutar,curar, ressignificar, criar um novo padrão, expandir o que estava bloqueado, aprofundar. E o Alinhamento Energético vem como uma ferramenta altamente eficiente para promover as transmutações e ressignificações necessárias, geralmente de uma forma rápida e profunda.

   Estes são os três degraus do auto-desenvolvimento. 

   Mas é muito importante que consideremos também duas características psico emocionais fundamentais e bastante estruturais em nós, neste processo ilusório à que estamos submetidos (por nós mesmos), e que funcionam como verdadeiras armadilhas no processo evolutivo : 

- A auto-imagem - quem eu acredito que eu sou - e a persona - quem eu quero e/ou preciso que os outros acreditem que eu sou (e que está a serviço da auto-imagem para “equilibrá-la” e compensá-la).

   E temos que lidar ainda com dois profundos estados de cisão:

- A cisão externa (eu me sinto separado dos outros, da Natureza e de Deus) e a cisão interna (eu sinto a separação entre meu corpo, minha mente e minhas emoções).

   É preciso muita auto-observação, muita neutralidade, muita humildade e respeito por nós mesmos, e muito trabalho interno para podermos equacionar e integrar este atávico jogo de aparências. 
 
   Outra coisa também extremamente importante, é que re-signifiquemos o conceito e a função do chamado “Mal”.

   A função do Mal não é destruir o Bem, como muitas religiões tem colocado de forma maniqueísta.

   A função do Mal é se transmutar em Bem. O Mal é o Bem na polaridade desequilibrada, escura. A Sombra é a Luz no outro lado da moeda.

   O “Mal” é o desequilíbrio que tem que se equilibrar, a desarmonia que tem que se re-harmonizar. É o exercício, o obstáculo, os testes, as provas.
   E no processo de ressignificação do Mal temos que ressignificar também o papel do demônio, de Satanás ou do diabo.

   Imaginem se o mais alto ser da mais alta hierarquia angélica – Lúcifer (aquele que traz a Luz) – ia ser tomado por uma emoção tão humana e terrena como a inveja !!! Nem os anjos da primeira hierarquia tem emoções humanas. E aí este mega-anjo caiu e virou um ser em guerra com Deus e ainda arrastou uma turma grande com ele...

    Só pode ser mito e como mito deve ser interpretado.

    Lúcifer (que também trabalha na Egrégora do Ministério de Cristo), é o Ser de Luz que promove os obstáculos e exercícios necessários para o crescimento e a expansão de toda a Criação. É Deus que aceitou descer aos infernos e à Sombra do homem para ajuda-lo à resgatar sua Luz.

    Na Mitologia Hindu, os demônios são sempre grandes devotos de Deus (em geral de Shiva), e sempre são liberados quando Deus (geralmente Vishnu) os mata.

    Imagine, por exemplo, um atleta de ponta de nível olímpico. Vamos dizer que seja um saltador em altura. O que ele faz ? Contrata um treinador que coloca a vara em determinada altura.

    Aí este atleta treina duro durante meses, com disciplina espartana até que consegue saltar. Quando ele salta e está lá todo feliz e orgulhoso, seu treinador sorri e... levanta um pouco mais a vara, e começa tudo de novo.

     Por acaso este treinador significa o mal para o atleta ? Será que ele está trabalhando contra ele ? O saltador deve ficar com raiva do treinador ?

     Então, costumamos dizer de brincadeira que quando Deus faz reunião de ministério, quem está sentado à sua direita é Jesus, e à sua esquerda é Lúcifer, o “grande treinador”.

     Claro que existem as regiões infernais. Claro que ao desencarnar muita gente vai para estes locais. Mas estes locais não são nada mais que projeções do nível vibratório e evolutivo interno da própria pessoa. O inferno e o Céu estão sempre dentro do homem.

    Portanto, não desqualifique sua Sombra. Não diga “que droga, fiquei com raiva”, “estou com um medo horrível”, “que tristeza terrível”.  Não negue, nem menospreze nem maldiga as emoções chamadas negativas.

   Aceite a sua inveja (in-veja, veja dentro o potencial que você pensa que só o outro tem), seus ciúmes, seus apegos, suas fraquezas. Olhe para elas com a visão da Águia – com neutralidade, equanimidade e compaixão.

    Também não procure fugir da sua Sombra focando na Sombra do outro, porque ao fazê-lo você só estará vendo a sua própria Sombra na Sombra do outro.  

    Conscientize, observe, sinta, perceba o aprendizado que você atraiu através destas emoções e sentimentos, transforme-se e libere-as. Senão elas ficarão se repetindo (e com intensidade progressivamernte aumentada) até que você faça algum movimento interno de liberação. 
 
   Grande parte das informações psicosemocionais positivas e negativas que construíram nossa personalidade e caráter foram enraizadas na infância, justamente numa época da vida em que temos poucas condições de compreender de uma forma ampla e profunda o sentido e a função do que nos aconteceu, e as circunstâncias complexas em que os eventos ocorreram – não sabíamos, por exemplo, que não éramos o centro do mundo e que nossos pais não eram perfeitos.

   Neste caso, o que fica mais contundente é o que se sente, dentro da perspectiva estreita do que se compreende.   

   Até porque muito antes de pensar nós já sentíamos.

   Uma criança, por exemplo, que sofre violências do pai, não tem condição de avaliar que o pai também tem suas questões, suas dores e doenças, que também teve pais que tiveram pais...  

   O que fica marcado criando o trauma é o fato em si e seu sentimento. 
 
   A criança funciona dentro de uma “lógica”, uma equação simplista, mas geradora de toda uma série de sofrimentos emocionais : “se fizeram isto comigo é porque não gostam de mim. Se não gostam de mim, é porque não sou bom“.

   Porque visceralmente necessitamos – e buscamos isso desesperadamente – sermos aceitos, reconhecidos e amados. E para receber isto, para nos sentirmos pertencendo, “fazemos qualquer negócio”, nos tornamos rigidamente perfeccionistas, ficamos neuroticamente “bonzinhos”, só pensamos nos outros e esquecemos de nós, e nos deixamos “prostituir”, cedendo excessivamente nosso tempo, dinheiro, ouvido, paciência, trabalho, até sexo, em troca do que necessitamos.

   E como o cérebro não reconhece a diferença entre o que aconteceu no passado e o que aconteceu hoje (Freud teria adorado saber disso!), as informações dolorosas ficam sendo permanentemente atualizadas, e o conjunto destas informações  são hoje as nossos traumas, crenças, padrões limitadores e bloqueios.

    Ficamos carregando conosco todas as crianças sofridas que fomos como se ainda as fossemos.

    Quase tudo fruto de equívocos de perspectiva que mantém as emoções e a psique desequilibradas.

    Precisamos liberar nossas crianças sofridas, devolvendo-as felizes ao passado, e passando a encarar e a lidar amorosamente com a Sombra como nosso precioso material de trabalho evolutivo.

   É o primeiro passo para amar a si mesmo, que é o primeiro passo para amar ao próximo e ao Universo.


ERNANI FORNARI