SOBRE A RESSONÂNCIA E A SINCRONICIDADE
Hermes Trimegistro com seu “o que está em cima é como
o que está embaixo e o que está embaixo é como o que está em cima” parece
expressar também, e de alguma forma, o mesmo postulado – que é muito oriental e
ao mesmo tempo modernamente quântico – que reza que o mundo externo é só um
reflexo do mundo interno (entendendo-se como externo a impermanente
relatividade da existência, e como interno a mente e a Consciência).
O
mundo externo é uma construção da nossa mente.
E
simultaneamente todo o Universo está dentro de nós.
E a
ressonância (juntamente com a sincronicidade) é uma das formas como se expressa
a Unidade na diversidade, de como se movimenta a Consciência absoluta e a
energia que existe no âmago da aparente dualidade.
Ressonância é o retorno que o externo nos dá através do espelhamento que
ele faz para nós internamente.
Aprendemos desde sempre, que Deus criou o mundo em 7 dias, fez tudo
certo mas um tal de Adão resolveu comer maçã, foi expulso do paraíso, e agora
Deus está no paraíso de onde ele arbitra nossas vidas, e nós aqui penando nesse
mal necessário que é essa pecaminosa vida material de onde devemos nos esforçar
muito para sair logo...
Ainda
há o agravante de que existe um anjo que resolveu querer se igualar a Deus,
caiu e virou Satanás, e desde então vem se esforçando bastante para “botar
areia” no projeto divino e nos lançar eternamente no sofrimento.
Parece
uma brincadeira, mas é sério!
Isto
ajudou a imprimir em nossa cultura ao longo dos últimos dois milênios, entre
outras coisas, a crença coletiva de que o mundo externo é que é o real, o
conceito de que a realidade é só aquilo que os 5 sentidos e a mente racional
apreendem, e a crença de que pensar é o produto mais elaborado e sofisticado
que o ser humano (que por sua vez, é o ser top
de linha da Criação) produz.
E em
cima desta base, deste paradigma, construiu-se toda uma cultura. Esta nossa
cultura ocidental européia, branca, greco-cristã-judaica, capitalista e de
pensamento cartesiano e mecanicista.
Aprendemos que somos pecadores e culpados de nascença, sentimentos que
até hoje permeiam profundamente nossas relações internas e interpessoais.
Então
quando me ensinam que não sou e/ou não tenho (virtudes, talentos, qualidades,
potencial, importância, amor, alegria, confiança,etc.etc.) aonde vou –
automaticamente - buscar ser e/ou ter ? Fora de mim, claro.
Aí,
como não suporto meus buracos internos, vou lançando “tentáculos” energéticos e
os vou ancorando em coisas e/ou pessoas na tentativa de me preencher.
Sabe aquele
papo “meu amor, não consigo viver sem você”, “o que vai ser de mim quando eu me
aposentar ?”, “E quando meus filhos saírem de casa? “ e “Se roubarem meu carro?
“...
Pois
é, aprendemos que não temos nada bom dentro e aí ficamos dependendo de meios
externos para nos nutrirmos. E quando estes meios nos faltam ficamos mal.
Ficamos vazios de novo, porque tentar se preencher do externo é como tentar se
preencher de vento.
E aí entram em ação cinco
personagens “mitológicos” que moram em nós, em nosso psiquismo : o mendigo, a
prostituta, o vampiro (ou micróbio), o escravo e o ladrão (ou predador).
O mendigo é o pedinte. É a nossa baixa auto estima,
nossa menos valia, nosso vitimismo, nossos sentimentos de culpa, nossa falta de
amor e respeito próprio. É o nosso coitadinho. É o que compara
desfavoravelmente para si (“o jardim do vizinho é mais bonito”). É o
perseguido, o injustiçado, o rejeitado.
A prostituta é a que cede seu
tempo, seu ouvido, seu dinheiro, sua casa, seu trabalho, seu direito de dizer
sim e não quando quiser, seu direito de merecer e receber, e muitas vezes cede
até seu sexo, esperando receber em troca o retorno que venha suprir suas
profundas demandas e carências internas. É o nosso “bonzinho”. É a síndrome do
“agrade sempre”.
O vampiro (ou micróbio) é o
que suga, o que recebe mais do que dá, o que se sente sempre no prejuízo, o que
sempre procura culpados, o que lança sua ancora no porto que aceitar suprir
duas demandas porque morre de medo de perder o pouco que pensa (e que sente)
que tem. É nosso lado desesperado, inseguro, desconfiado.
O escravo é quem vive o “ruim
com você, pior sem você”, “não consigo viver com você nem sem você”, “estamos
juntos por causa dos filhos (ou porque temos um negócio, ou um imóvel)”,
“detesto meu trabalho, gostava muito de teatro mas fiz concurso público para
ter segurança”, ou mesmo quem é preso a vícios e hábitos neuróticos não
saudáveis.
Muitas vezes o escravo é o
ganho secundário (por exemplo, “isto me faz sofrer mas me garante a sua
atenção”).
E o ladrão (ou predador) é o
que se apropria do que não é seu, em qualquer que seja o nível. É o que não
respeita regras e limites.
E nós
pensamos honestamente que quando, por exemplo, nos apaixonamos, o amor nos chega
através do outro. E se o outro se vai, o amor se vai com ele.
Na
verdade, precisamos do outro não para nos trazer o amor que não tínhamos, mas
para que experienciemos através dele o nosso próprio amor (e o outro idem).
Por
isso, por exemplo, distorcemos a função original dos mitos produzidos pelas
diversas civilizações - como os deuses das diversas mitologias, os Orishás, Anjos, Santos, Animais de Poder
- que deveriam ser para nós os espelhos arquetípicos que nos refletem a
perfeição interna que essencialmente somos mas que não acessamos.
Mas
acabamos fazendo com eles idolatria, barganhas, esperando que estes Seres de
Luz possam nos dar aquilo que pensamos que não temos, quando sua função é
justamente nos ajudar a perceber que já somos e temos quem e o que buscamos ser
e ter.
O que
as culturas antigas e a moderna psicologia – especialmente as escolas
transpessoais – estão propondo é a idéia
de que o que quer que seja Deus para cada um, está dentro do ser humano como
Consciência eterna.
Então
eu não preciso mais de um Deus pessoal em algum Paraíso arbitrando de lá a
minha vida, me punindo e me recompensando.
Deus
está dentro de mim trabalhando comigo pela minha própria expansão e auto
realização.
E o
que quer que seja o Mal, ele é em síntese, toda a minha resistência em romper a
inércia dos meus controles e das minhas defesas e resistências, e mudar para
crescer.
Ele,
o Mal, também é todos os obstáculos e bloqueios que coloco para que eu não veja
quem Eu Sou verdadeiramente, e então assim tenha que superar estes obstáculos e
bloqueios e aprender com os exercícios evolutivos para poder conquistar a
experiência da liberdade da Consciência eterna.
E
esse Deus, esse Eu Superior, essa Presença Divina, ou como O quiserem chamar,
age de “dentro” de mim atraindo todas as experiências - vindas através de
pessoas, coisas ou de eventos - que eu como humano, evolutivamente,
karmicamente, preciso exercitar e aprender para transpor estes obstáculos e
resistências que eu mesmo, consciente e inconscientemente, coloco no meu
processo de expansão e auto realização.
Sou
sempre co-criador e co-responsável pelo meu destino e pela qualidade dele.
E o
que a ressonância e a sincronicidade estão mostrando o tempo todo é, trocando
em miúdos, que todos e tudo somos Um em todos os níveis, e que o Universo está
sempre se auto-regulando, sempre buscando a homeostase, e está sempre se
comunicando conosco através de todos os reinos da Natureza e das multidimensões.
Acredito que a sincronicidade e a ressonância são dois aspectos da lei
do karma e que são a própria
Inteligência em ação no(s) sistema(s).
Compartilhamos todos a mesma Consciência Eterna. Compartilhamos o mesmo
inconsciente humano (C.G.Jung não falou do inconsciente
coletivo?).
Compartilhamos as mesmas emoções e sentimentos enquanto Humanidade.
E segundo a moderna Física das Conexões, literalmente compartilhamos a mesma
matéria já que trocamos átomos o tempo todo com o meio.
Segundo F. Capra, as
interconexões entre as “coisas” tem até mais importância do que as “coisas” que
se interconectam, porque estas “coisas” não existem como coisas
inter-separadas, mas pensam, sentem, agem e vivem como se fossem entidades separadas, e precisam, através
das interconexões, re-experienciar sua condição real de Ser uno com todo o
Universo.
E as
interconexões existem para provocar o exercício de expor a sombra (que é quem
fomenta e mantém a crença da separatividade e a perpetuação do sofrimento) para
poder ressignificá-la e trabalhar na direção em que vai todo o movimento
universal, que é a busca do estado original de Unidade.
É
muito interessante como muita gente fala sobre os relacionamentos que “a paixão
é uma coisa maravilhosa, mas depois com a convivência as máscaras caem, o
encanto se vai e a brigas começam”. Como se isso fosse um defeito de alguém ou
do próprio processo.
A
paixão é um maravilhoso surto que tem a função de criar - via enamoramento,
tesão, atração intelectual, etc. – vínculos, em função da co-atração kármica
que aconteceu entre as duas pessoas e dos exercícios que elas combinaram
previamente compartilhar para crescer.
Quando
o vínculo está criado, a paixão deveria ceder ao que pretendemos que seja o
amor, e aí vamos nos burilar mutuamente através do espelho que um faz para o
outro e dos exercícios que um traz para o outro, expondo assim as sombras e o
material inconsciente que tem que ser visto para ser curado e integrado.
As personas – máscaras, isto é, “o que
gostaríamos que o outro acreditasse que somos” – não duram muito mesmo. Não é
sua função durar, elas só existem neste caso, para ajudar a criar os vínculos.
E
baixado o surto da paixão - “quando as máscaras caem” - justamente quando o
trabalho ia começar... as pessoas começam a brigar e se separam!
Porque ninguém
quer ver a sombra que o espelho do outro está mostrando.
E aí o que aprendemos - e o que normalmente se
faz nestes casos - é imputar ao outro a culpa pelos nossos dissabores (ou pior,
imputar a nós mesmos a culpa por tudo). E o outro idem.
Adoro
uma frase que aprendi : “Você quer ter razão ou ser feliz ?”
Em
Psicanálise, o trabalho com transferência e contra-transferência também é uma
expressão da ressonância em ação entre duas pessoas se espelhando mutuamente.
Aliás,
no tempo de Freud, o psicanalista se sentava atrás do divã do paciente, entre
outras coisas, para atenuar essa ressonância/transferência-contratransferência.
Hoje
nas abordagens mais holísticas, mais sistêmicas e mais transpessoais, o
terapeuta se senta frente a frente com o cliente pois sabe que a linha que
divide terapeuta de paciente é muito tênue já que a ressonância está presente o
tempo todo, e o terapeuta sabe que ele (co)atraiu aquele cliente porque este
traz sincronicamente e ressonantemente alguma parte dele, terapeuta, para ser
olhada e curada também.
A
prova mais bonita que testemunhei da ressonância em ação foi em um congresso de
psicologia corporal em Florianópolis (2005) organizado pelo meu ex-sócio Ralph
Viana, que convidou Monica Oliveira e eu para apresentarmos o nosso trabalho
lá.
Após
a exposição da parte teórica fizemos uma Roda de Cura, ou seja, uma pessoa
voluntária deitou no centro de uma roda com as outras pessoas sentadas em volta
e os 2 terapeutas fazem o trabalho de canalização e de limpeza energética.
Só
que naquele dia tinham umas 200 pessoas nessa Roda de Cura, ou seja, 90% das
pessoas não viu nem ouviu absolutamente nada do que se fez e se falou.
Após
o trabalho, várias pessoas vieram falar com a gente, super mexidas, algumas
chorando, perguntando o que tinha acontecido, o que tínhamos trabalhado, pois
elas não tinham conseguido ver nem ouvir nada.
Nós
lhes contamos mais ou menos o que aconteceu, e todas estas pessoas que nos
procuraram e que tinham ficado mobilizadas, se identificaram profundamente com
a temática trabalhada na pessoa que deitou no centro da Roda.
É
muito comum também se perceber fortemente a ressonância em trabalhos de
Constelações Familiares, quando não só as pessoas que estão representando como
também algumas pessoas que estão sentadas apenas assistindo se mobilizarem
profundamente com as histórias que estão aparecendo na Constelação.
E
quando penso em ressonância penso em relacionamentos, e sempre que penso nisso
invariavelmente me vem na lembrança a “tecnologia” nativa norte americana do Talk Stick ou o “Bastão da Fala”.
Os
índios sabiam que cada ser humano está imerso dentro da perspectiva de
realidade que ele mesmo vem construindo fruto de suas vivências e experiências
(e de como ele absorve e processa estas vivências e experiências), e que é a
partir daí, deste “sagrado ponto de vista” resultante, que cada um se
experiencia internamente e experiencia a dinâmica evolutiva dos
relacionamentos.
E
quando nossos sagrados pontos de vista são discordantes, normalmente nós
discutimos e brigamos, porque queremos ter razão, queremos vencer.
Quando
estamos neste nível, no nível do ego, fica muito difícil a resolução das
questões. A questão vira uma disputa, uma competição a serviço de questões
internas que nem sempre tem relação direta com o assunto em foco.
Então
dois índios que estão com alguma questão pendente, em vez de discutirem e
brigarem, sentam-se um na frente do outro, um deles pega o bastão e aí pode
falar o que quiser durante o tempo que quiser, o outro não pode interromper e
tem que procurar ouvir tudo com uma escuta aberta, receptiva e neutra (não
julgadora).
Depois
troca-se o bastão.
Desta
forma, depois que termina os índios podem resolver sua questão, ou podem até se
levantar e ir embora sem falar mais nada, porque um já sabe o “sagrado ponto de
vista do outro”, o que motivou o outro, qual foi a intenção do outro sob a
perspectiva do outro.
E isso
às vezes é o suficiente para que possamos perceber qual o exercício evolutivo
que o outro nos trouxe através do espelho que ele está nos fazendo.
ERNANI FORNARI