sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

VOCÊ JÁ TEM UM NOME ESPIRITUAL ?

VOCÊ JÁ TEM UM NOME ESPIRITUAL ?

Periodicamente alguém me pergunta porque eu não uso mais o meu nome espiritual.
Aí, como é do meu costume, resolvi elaborar as reflexões advindas desta pergunta e compartilhar aqui neste texto.
Bem, em primeiro lugar, eu não pretendo aqui dizer para você ter ou não um nome espiritual, nem para afirmar que ter um nome espiritual é bom ou é ruim, é certo ou errado, é fundamental ou dispensável.
Só pretendo desenvolver o tema em função da minhas vivências e experiências pessoais nessa área e dividi-las com vocês.
Desde os meus 20 anos de idade, quando comecei a praticar Yoga, tenho meus pés “atolados na jaca indiana”, ou seja, desde esta época venho estudando, pesquisando e praticando esta cultura e suas filosofias e técnicas.
E assim, venho desde então me interessando por Yoga, meditação, Budismo,Tantra, Vedanta, Ayurveda, mantras, deuses e Gurus.
Tive até fases onde morei em ashram, ensaiei querer ser monje, enfim, embora nunca tenha ido fisicamente à India, a India veio profunda e poderosamente a mim por várias vias.
E seguindo minha natureza aquariana eclética e universalista, nunca pertenci ou me filiei a nenhuma instituição, seita ou organização religiosa, o que me deu muita autonomia, independência e liberdade para circular durante muito tempo por todo o universo oriental carioca, observando e aprendendo muito em todos os lugares que frequentei.
Nesse pacote que a India me ofertou, veio o privilégio de ter conhecido pessoalmente um ser muito especial que meu coração reconheceu como sendo alguém que “chegou lá”, ou seja, alguém que eu senti, intuí, que tinha alcançado o objetivo máximo que a espiritualidade hindu pretende que seja a meta última da existência – a Iluminação.
É claro que essa aferição é absolutamente subjetiva e pessoal, já que não existe um “iluminômetro” para determinar se uma pessoa se iluminou ou não.
 O fato é que, para mim, foi bastante impactante ter conhecido ao vivo e a cores uma pessoa que deu 3 voltas ao mundo descalço e com dois panos enrolados no corpo (e assim ele esteve a 50 graus no Oriente Médio e a mais de 20 negativos na Rússia), sem nunca portar nem pedir dinheiro, e sem ter fundado nenhuma organização nem ter tido milhares de discípulos, e cuja mente visivelmente não oscilava.
Ele era realmente a encarnação da renúncia e do desapego.
Este ser – Swami Tilak – esteve no Brasil nos anos 70 e retornou no início dos anos 80 (e desencarnou em 84), quando o conheci, e quando eu estava no auge da minha “viagem” monástica, querendo me iluminar ontem.
E dentro do universo hindu, um Guru é peça fundamental neste processo. Ser iniciado por um Mestre Espiritual verdadeiro é quase que fundamental nesse tipo de caminho. E na iniciação geralmente se recebe um nome espiritual e um mantra para meditar.
Bem, swamiji era muito resistente à ideia de iniciar pessoas e de ter discípulos, mas a insistência amorosa e bem intencionada de um pequeno grupo de brasileiros que “grudaram” nele igual aqueles bichinhos de luz que se amontoam em volta de uma lâmpada acesa, fez com que ele humildemente aceitasse dar iniciação às pessoas daquele grupo.
Estas iniciações aconteceram de diversas formas para diversas pessoas.
Comigo, minha iniciação começou quando pedi a ele um nome espiritual.
Lembro muito bem, o estávamos acompanhando em um evento alternativo rural em Visconde de Mauá.  Estávamos andando numa estradinha de terra indo para o local onde ele iria dar uma palestra, aí acionei a minha “cara-de-pau” e pedí: “Swami, pode me dar um nome?” (ele já tinha dado nomes para algumas pessoas). Ao que ele perguntou: “Por que você quer um nome”? E eu prontamente respondi: “Porque o nome que meus pais me deram não significa nada para mim”.
Ele parou, olhou no fundo dos meus olhos, ficou um pouco em silêncio, e com a voz de trovão que lhe era peculiar, falou: “Dharmendra”. E continuou andando.
Eu fiquei chapado, atordoado, meio doidão ali no meio daquela estradinha da Mantiqueira, não tive nem forças para perguntar o que significava (significa “Senhor do Dharma”), e até hoje estou digerindo e entendendo o espírito e a função desse nome na minha vida.
Quando um Mestre verdadeiro te dá um nome espiritual, é como se fosse um mantra também. É alguma potencialidade ou virtude que ele vê na sua alma e que você precisa desenvolver.
Por outro lado, este mesmo swami sempre dizia que usar um nome espiritual não deveria ser como usar uma jóia, um enfeite, não deveria ser como um objeto decorativo na sua vida, usado só para ter status.
Bem, e eu fui publicamente Dharmendra durante 20 anos. Fiz questão que todos me chamassem assim, inclusive os meus familiares. Imagina o choque para os pais que te deram com o maior amor um nome e agora você meio que o renega...
E claro, na época, na minha “arrogância aquariana”, eu me achava superior em relação ao que (eu acreditava que) eram os meus pais, afinal eu era vegetariano (e eles não), eu meditava e fazia yoga (e eles não), eu morava na roça em comunidade espiritual (e eles não), eu fazia parte de um seleto grupo de “escolhidos” para instaurar a Nova Era no planeta (e eles não)...enfim, eles eram pessoas muito bacanas mas eram fundamentalmente caretas, burgueses, urbanos e carnívoros, e era “óbvio” que um nome vindo deles não tinha nenhum significado maior nem tinha a menor força energética e espiritual.
Ok. Isso tudo vigorou até eu conhecer as Constelações Familiares.
Isso tudo foi assim até eu aprender, entender, aceitar e me curar em relação aos meus ancestrais. Até eu aprender a honrar, a ter profundo respeito e a ser imensamente grato a absolutamente tudo o que me veio deles, inclusive o nome que me deram.
E hoje eu acho totalmente infantil, ingênuo e até ignorante achar que o nome que eles me deram não tem significado nem força.
A partir daí, preferi guardar meu nome espiritual em meu coração como um elo interno e eterno entre eu e este ser especial que me deu este nome.
Hoje já não tenho mais meus pés atolados apenas na jaca indiana, mas também em outras jacas (como as culturas nativas e as terapias sistêmicas e transpessoais)
Hoje sou um ser humano comum (sem pretensões de ser santo nesta vida), sou terapeuta e trabalho com pessoas de todos os credos e crenças, e por isso prefiro me manter publicamente mais neutro.
E dessa forma, não uso roupas devocionais nem cerimoniais, nem batas indianas, penas, colares, nem nenhum adereço ou adorno religioso ou ritualístico de nenhuma cultura, justamente para que eu não seja identificado com algum caminho em especial.
Isso de alguma forma poderia induzir as pessoas a terem sobre mim alguma leitura determinada - achando que eu pertenço a alguma religião ou caminho espiritual específico, ou que sou superior a elas por ter um nome espiritual ou por usar adornos e adereços rituais - e isso poderia limitar o numero de pessoas que se aproximam de mim e do meu trabalho.
Se você acha que ter um nome espiritual e usa-lo publicamente é muito importante, bacana. Siga o seu coração.
Mas lembre-se que o ideal é receber um nome espiritual de alguém a quem você realmente se vinculou de forma verdadeira e profunda como seu Mestre, como seu Guru, e com o caminho que ele te oferece.
Isso vale também para quem segue o caminho nativo, o Xamanismo. Aliás, eu também recebi nomes espirituais no caminho nativo. Dois nomes. Só que nestes casos não foi porque eu pedi, mas espontaneamente os índios me deram.
Existem algumas organizações e mestres que saem dando iniciações e nomes espirituais rapidamente, antes que haja efetivamente um profundo vinculo com o mestre e com a sua escola, até como uma forma de atrair mais as pessoas.
E isso acabou meio que desencadeando quase que uma moda. Quase todo mundo que entra nesse universo espiritual – hindu ou xamânico - quer ter um nome espiritual.
E aí pode-se facilmente cair no ego de se sentir “o cara” por ter um nome espiritual, e, como dizia Swami Tilak, ficar usando um nome espiritual como quem usa uma bijuteria para se enfeitar, e para se sentir pertencendo a um grupo seleto de pessoas especiais.



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

“VOCÊ NÃO ESTÁ AQUI PARA SALVAR O MUNDO, O MUNDO É QUE ESTÁ AQUI PARA SALVAR VOCÊ”

“VOCÊ NÃO ESTÁ AQUI PARA SALVAR O MUNDO, O MUNDO É QUE ESTÁ AQUI PARA SALVAR VOCÊ”.

Vi esta frase semana passada no Facebook, que se não me engano era de algum mestre oriental.
E esta frase suscitou reflexões que me convidaram a coloca-las no papel e a compartilha-las aqui.
Dentre as muitas coisas que só compreendi com a maturidade, uma delas é a enorme beleza e importância do impulso natural dos jovens de quererem salvar o planeta, de quererem mudar e melhorar a humanidade.
Eu pertenci a um nicho da minha geração que também pretendia mudar a consciência das pessoas e salvar a Terra.
Mais na frente, experimentei alguma decepção por não ter conseguido.
Mas adiante ainda, surgiu um sentimento de como seria inútil e quase infantilmente ridícula essa pretensão.
E só muito recentemente tive o insight de que esta atitude dos jovens – a de quererem mudar o mundo e transformar o ser humano – é absolutamente necessária e fundamental para se manter a dinâmica evolutiva do movimento sócio-antropológico (e claro, psicológico, emocional e espiritual também) da humanidade.
É esta força e idealismo – característica constitucional e visceral dos jovens conscientes, bem intencionados e pró-ativos – que vai podando o velho e fazendo emergir o novo, num importantíssimo movimento de reciclagem.
Só os jovens, que tem a força e a vitalidade da juventude, o frescor da vida e o pouco passado e muito futuro, é que podem (e devem) ser a força motriz desse movimento, geração após geração.
É como fazer o trabalho de extrair da terra um diamante bruto e limpá-lo das impurezas para expô-lo ao Sol e aos nossos olhos.
Mas só a maturidade – etária, existencial, intelectual e emocional - é que vai poder lapidar este diamante. Muito passado e pouco futuro dão (ou deveriam dar) ponderação, sabedoria, prudência, equanimidade, serenidade, discernimento.
E essa maturidade é que tem as ferramentas e os subsídios para efetivamente fazer o também fundamental trabalho de se mudar e melhorar o mundo interno. E é na maturidade que se compreende na prática - porque se constatou com a experiência - que não se muda nada fora sem se mudar dentro, e que o externo é apenas um laboratório, uma escola, para que se possa acessar e melhorar o interno.
E o conflito das gerações é que é o combustível (e a tensão) dessa engrenagem. Os jovens querendo mudar e os velhos querendo manter.
Esse “cabo-de-guerra” é a própria expressão do exercício que acaba trazendo, geralmente, a auto-regulação necessária.
Uma auto-regulação que harmoniza e equilibra o ímpeto guerreiro e impulsivo dos jovens, com o enraizamento - ora acomodado e receoso das mudanças, ora sábio e prudente – dos mais velhos.
Aí passo-a-passo o velho vai sendo substituído pelo novo.
Esse “cabo-de-guerra”, o chamado conflito de gerações, fala sobretudo da característica fundamentalmente importante dos jovens de pensarem e fazerem diferente da geração anterior.
É claro que estou generalizando, pois estou procurando ter um olhar mais panorâmico. Sei perfeitamente que os processos são muito mais complexos. Muitos erros, percalços e mudanças de rotas acontecem ao longo do caminho (e é desejável que aconteçam para poder haver mais aprendizado).
Mas no cômputo geral, o que acaba importando mesmo, é o quanto estas dinâmicas - nem sempre harmoniosas e pacificas - são fundamentais para manter a engrenagem do samsara rodando. Manter a espiral da Criação crescendo, evoluindo e constantemente se expandindo.
Pertenci a um segmento da minha geração – a chamada geração aquariana - que com certeza foi muito emblemático: a geração dos anos 70, do tempo da ditadura, e que optou por trilhar os caminhos emergentes da contracultura, do movimento hippie, e mais adiante, do nascimento da cultura alternativa – o inicio da consciência ecológica, das terapias naturais, da espiritualidade oriental, da agricultura orgânica, das comunidades rurais, da alimentação natural.
Talvez tenha sido uma das gerações que mais teve esse foco e este sentimento de estar surfando uma onda pioneira, uma vanguarda que ia fazer uma grande diferença no planeta.
E até fez mesmo. Não exatamente como a gente sonhava e esperava, mas esta geração foi, sem dúvida, a sementeira de uma consciência e uma praxis que hoje está amplamente disseminada no dia-a-dia população (infelizmente ainda não na massa miserável) e na mídia.
Hoje, por exemplo, a agricultura orgânica é uma das atividades que mais cresce no mundo, hoje temos yoga, meditação, homeopatia, acupuntura e reiki em muitos serviços públicos de saúde, coisas estas que há quase meio século atrás eram apenas papo de cabeludo hipponga utópico e sonhador.
E dentre alguns equívocos que, na minha opinião, foram cometidos por grande parte desse segmento da minha geração, foi o de querer moldar os filhos para que seguissem o mesmo caminho.
Afinal, nós éramos (perdão, nos considerávamos) a elite do planeta, o povo (finalmente!) consciente que estava acima caretice da burguesia consumista, carnívora e urbana. Nós nos sentíamos os escolhidos para inaugurar uma Nova Era!
E com toda a nossa boa intenção e idealismo procuramos “fazer a cabeça” da filharada, pois em nosso coração era óbvio que nossos filhos quereriam seguir nossos passos, porque, afinal de contas, estávamos fazendo aquilo que era o “melhor” e o “mais certo”. Havíamos descoberto a pólvora que salvaria o planeta.
Ou seja, estávamos morando na roça em comunidades, comendo natural, meditando e fazendo yoga, plantando orgânico e vivendo uma vida simples, pacífica e sem consumismo. Tudo, óbviamente, coisas super bacanas e verdadeiras.
Só... que isso era a nossa opção, estas eram as escolhas de nós, adultos.
O tempo foi passando, as crianças foram crescendo e foram tendo vontades próprias, tendo outros interesses, outras demandas, outras curiosidades. E foram sendo “contaminadas” pelo “vírus sócio-antropológico” de fazer diferente da geração anterior para cumprir seu papel de continuar movendo a roda.
E hoje, quase meio século depois, vejo que apenas uma minoria das crianças daquela geração seguiu o mesmo caminho dos pais.
É bem verdade também, que uma minoria dos pais continuou seguindo estritamente o mesmo modus vivendi de outrora.
E com meus filhos não foi diferente (nem comigo). Em um primeiro momento me senti meio decepcionado comigo, fiquei sentindo que eu tinha sido pouco focado, pouco disciplinado, pouco virtuoso. Me senti como se tivesse sido pouco competente, pouco coerente, porque meus filhos não seguiram, claro, estritamente os meus passos, a minha filosofia e ideologia.
E aí, como muitos (talvez a maioria) da minha geração “drop out”, por causa dos filhos, por causa da vontade deles de experimentar o mundo e de terem as suas próprias escolhas e oportunidades, saí da roça e voltei para a cidade.
Em um primeiro momento foi como uma derrota, quase uma traição aos meus princípios.
Mas aos poucos fui entendendo uma outra dinâmica, uma outra forma de olhar o processo. A “quebra” dos meus princípios e escolhas ocasionada pelas demandas dos filhos, trouxe um imenso, amplo e profundo aprendizado de maturidade, de humildade, de neutralidade e de flexibilidade, e isso foi o estopim de muitos importantes upgrades em minha vida.
E no frigir dos ovos, me tornei uma pessoa saudável e humanamente comum (não mais a elite salvadora do planeta, mas ainda mantendo a essência do que eu acreditava e praticava), e meus filhos, que não moram na roça, não são ligados em filosofia oriental nem professam nenhum “credo” alternativo, foram profundamente marcados pelo que, na verdade, é muito mais importante do que o lugar onde se mora, a roupa que se usa, a musica que se ouve e a comida que se come: foram profundamente forjados na consciência do bom caráter, da ética, da moral, da compreensão do karma, do respeito à vida, aos outros, à Mãe Terra e ao que cada um deles entende como sendo Deus.
E eu, da minha parte, observo com carinho (e com vibrante torcida) os jovens alternativos de hoje que são o “eu ontem” tentando mais uma vez salvar o planeta e a humanidade. E espero viver o suficiente para quando eles forem o “eu hoje” nós possamos conversar e trocar as nossas ricas vivências e experiências.
E foi muito bom ter conseguido - apesar de, durante algum tempo, ter tentado fazer meus filhos seguirem meu estilo de vida (e de algum dissabor inicial quando percebi que não tinha exatamente conseguido da forma como pretendia) - não fomentar excessivos conflitos de gerações. Com certeza o “gap” entre eles e eu foi muito menor do que o que existia entre meu pai e eu, e isso, com certeza, já foi um grande ganho para todos. E provavelmente, espero, para o planeta e para a humanidade também.