domingo, 29 de janeiro de 2017

SOBRE A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
I. Eu tive um professor que dizia que a humanidade é como um bolo onde Deus é aquele furo no centro do bolo e cada religião seria um fatia do bolo.
O problema é que fica cada fatia querendo convencer o resto do bolo de que ela, fatia, é o bolo inteiro. Interessante como o ser humano há milênios vem guerreando e se degladiando ferrenhamente pelo que não concorda - que em termos de religião, cá entre nós são os aspectos mais desimportantes, isto é, o nome do meu Deus, minha concepção Dele, meu livro sagrado é tal e é o único verdadeiro, meu mestre ou avatar é tal e é o único e o melhor, e por aí vai.
Curiosa essa tendência do homem de investir pesado na exclusão, na divisão.
Talvez a chave para essa cura não seja nem ter religião nenhuma nem ter uma só religião para todos - acho as duas possibilidades fantasiosas - mas sim o simples e vital fato de pessoas de uma religião conseguirem perceber e aceitar que as outras também são tão verdadeiras e certas quanto a sua.
Muito doida essa mania de se querer ter exclusividade.
Se Deus criou a diversidade, um planeta com bilhões de espécies de todos os reinos, um monte de raças e culturas com milhares de idiomas e características históricas, geográficas, sociológicas e antropológicas diversas, é totalmente irracional e bastante pouco inteligente achar que uma só religião vai servir para todos, e mais irracional ainda é querer estabelecer isso na marra...
Por outro lado cresce cada vez mais a compreensão de que é muito mais bonito, pacífico e inteligente os diversos caminhos compartilharem naquilo que concordam, e não ficar brigando pelo que discordam.
E se tirar o desimportante e o superficial das religiões (que é aonde as pessoas mais se apegam), todas elas concordam muito mais do que discordam, pois o Deus de todas é o mesmo e os princípios mais básicos e fundamentais também.
Dentro dessa temática, me parece que três componentes são fundamentais serem devidamente destrinchados para serem corretamente entendidos:
Compreensão, aceitação (vou chamar aqui de aceitação o ato de concordar) e respeito.
Para verdadeiramente se respeitar – e vamos nos ater aqui ao tema religião – não é preciso concordar, mas é preciso compreender.
Compreensão é entender o ponto de vista do outro, é entender as características, as motivações, os contextos e os referenciais do outro.
Quando avaliamos uma outra religião ou uma outra cultura usando como parâmetro os nossos próprios referenciais, o que estamos exercitando é julgamento, o que normalmente acaba descambando em crítica e condenação.
Para compreender o outro é necessário, como dizem os índios norte-americanos, vestir o mocassim do outro.
É preciso considerar, como disse acima, o universo do outro com seus contextos e características próprias, como um cientista que busca conhecer o que está analisando, com neutralidade e isenção.
Respeitar sem compreender não é respeitar. É tolerar, no pior sentido do termo. É engolir, aturar, suportar.
Respeitar não é necessariamente concordar. Respeitar é reconhecer valor no outro.
E eu só posso reconhecer valor quando eu compreendo.
Talvez o ser humano precise desenvolver a habilidade de compreender mesmo não concordando.
Daí talvez surja o verdadeiro respeito.
Trazendo estas questões para a esfera das terapias, o que seria focado e trabalhado é: que memórias e registros difíceis do passado, que experiências dolorosas e limitadoras uma pessoa viveu que nesta vida, nesta personalidade atual estão eclodindo como uma necessidade de se ser radical, intolerante, fanático.
Que inseguranças, medos e carências são essas que precisam de uma atitude extrema de julgamento intolerante e segregação às vezes violenta para com o outro para que a pessoa se sinta com auto-estima e mais valia, ou para que se sinta pertencendo?
Ou se é alguém que seguidamente sofre com intolerância, radicalismos e bullying religioso, numa terapia sistêmica, como Alinhamento Energético, por exemplo, a pergunta terapêutica seria: aonde eu ainda não sou forte na fé, aonde em mim eu ainda dou valor ao julgamento alheio, aonde em mim minha auto estima e minha mais-valia ainda são frágeis?
Ou então: aonde em mim eu ainda sou intolerante e radical comigo mesmo em alguns setores internos da minha vida, aonde eu ainda me critico, me trato mal, me julgo, que eu precisei atrair no meu campo atitudes de intolerância, julgamento e preconceito para me indicar sistêmicamente aonde isso ainda vigora dentro de mim para comigo mesmo e poder assim trabalhar e transmutar isso?

II. Há algum tempo venho matutando sobre os cristãos usarem o termo “A palavra de Deus” para se referirem à Bíblia.
E o primeiro pensamento que sempre me vem à mente ao ouvir isso, é que, até onde eu saiba, Deus nunca desceu à Terra com papel e caneta para escrever alguma coisa.
Ok, tô sabendo, Deus se utiliza de pessoas especiais para se manifestar através delas, como por exemplo – no caso da Bíblia – aconteceu com Moisés (que serve tanto para os judeus quanto para os cristãos), com os profetas e com os apóstolos.
O segundo pensamento que me vem em seguida, é sobre o que me parece ser a característica mais evidente de Deus em sua Criação – a diversidade.
E Deus caprichou na diversidade. São incontáveis tipos de minerais, vegetais, animais e raças humanas (com seus absolutamente singulares rostos e impressões digitais).
Porque então esse Deus da diversidade, só no que se refere à religião, seria exclusivista?
Para mim, me parece totalmente infantil e ingênua a ideia de que uma única religião, um único livro sagrado ou um único “salvador” sirva para todas os inumeráveis povos e civilizações sobre a Terra, com sua imensa diversidade histórica, geográfica, cultural, antropológica e sociológica.
Então não parece muito mais óbvio e lógico que esse Deus da diversidade, respeitando essa imensa diversidade que Ele mesmo criou, se manifestasse e se revelasse indistintamente para TODAS as civilizações e culturas, respeitando suas características históricas, culturais, antropológicas, etc.etc.?
Se você não é fanático religioso e nem está preso na ilusão de que só a sua religião é que é a certa e a melhor, pode, com um pouco de informação, perceber que Deus se utilizou de pessoas especiais para se manifestar e se revelar, ao longo de toda a história da Humanidade.
E aí podemos ver Maomé com seu Corão (o Islamismo), Vyasa com os Vedas (o Hinduísmo), Lao Tsé com o TaoTeKing (o Taoísmo) e por aí vai. E estes são só alguns. Todas as religiões tem seus profetas, seus livros sagrados e seus salvadores.
Se você não é fanático religioso e nem está preso na ilusão de que só a sua religião é que é a certa e a melhor, pode, com um pouco de informação e estudo das outras religiões, comprovar que TODOS os livros sagrados falam a mesma coisa.
Se você conseguir ser aberto e souber separar a essência dos ensinamentos da práxis religiosa e dos contextos históricos, culturais e sociais característicos das épocas em que estes livros foram escritos, poderá facilmente perceber que eles falam absolutamente a mesma coisa.
Ou seja, TODAS as religiões falam a mesma coisa pelo simples fato de que o Deus de cada uma é o mesmo Deus, independentemente dos incontáveis conceitos teológicos existentes.
Veja por exemplo: compare os Dez Mandamentos (dos cristãos e judeus) com os Yamas e Nyamas (do Hinduismo) e com o Caminho Óctuplo de Buddha, e você vai ver que falam absolutamente a mesma coisa. E olha que são muitos séculos de distância entre uns e outros escritos.
E aí, podemos ver claramente, que as “guerras santas” e que as abundantes formas de preconceitos religiosos que acontecem desde sempre na história do homem sobre a Terra, tem suas origens (vendo aqui apenas os aspectos religiosos da coisa) no que há de menos importante nas religiões: “Meu Deus é mais verdadeiro que o seu deus”, “Minha escritura sagrada é mais sagrada do que a sua”, “Eu sou de Deus e você, de outra religião, é do Demônio”, “Só o meu salvador é que salva”, “Minha Terra Santa é mais santa do que sua”, e por aí vai...
Porque se você realmente ler com espírito aberto e com um olhar isento e inteligente todas as “palavras de Deus” das variadas religiões, vai ver que, na essência, no que é realmente relevante e fundamental para o ser humano, TODAS FALAM AS MESMAS COISAS.
E como insight final, sempre me vem o sentimento de como é difícil para o ser humano - mesmo professando e crendo em uma determinada religião, adotando determinada abordagem teológica – considerar que o outro que professa outro credo, que tem outra religião, também está tão certo quanto você e que a religião dele é tão boa e tão verdadeira quanto a sua.
Isso é inteligência e maturidade espiritual. Isso é compaixão. Isso é fraternidade.


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