DESTRINCHANDO ALGUNS EQUÍVOCOS
Como estudioso, pesquisador e escritor de assuntos como
espiritualidade e terapias, achei por bem continuar abordando e refletindo aqui
sobre alguns temas que sofreram muitas distorções e mal entendidos através dos
tempos, e que continuam contribuindo para fomentar muita confusão e muito
atraso evolutivo na Humanidade.
Vou abordar por tópicos:
1. Estar
errado X estar desequilibrado:
É muito comum - especialmente atualmente - ver as pessoas
atribuindo o preocupante estado planetário, principalmente no que diz respeito
à ética, honestidade e ecologia, exclusivamente ao homem e ao dinheiro.
O sentimento geral é o de que está tudo errado, e que por
causa do maldito dinheiro o homem estragou tudo o que era perfeito e
maravilhoso.
Talvez, em primeiro lugar, seja interessante refletir
sobre o livre-arbítrio.
Aprendemos (muito em função da igreja) que livre-arbítrio
é uma espécie de super poder que Deus deu ao homem de fazer o que lhe dá na
telha à revelia da ordem cósmica.
Talvez – tomando aqui emprestado os conhecimentos
orientais e nativos – o livre-arbítrio seja uma capacidade de escolha que está
profundamente entretecida e entrelaçada com todos os livres-arbítrios de todos
os outros seres viventes da Criação numa inteligente e perfeita relação de
causa e efeito (que os hindus chamam de Karma).
Ou seja, o homem definitivamente não tem esse poder todo
de destruir um planeta passando por cima da perfeita inteligência criadora.
Nem o dinheiro é a causa disso, já que dinheiro é apenas um
padrão de troca de qualidade neutra.
Parece que o problema mesmo está no nível evolutivo da
mente humana, e não no que se convencionou ser o padrão de troca.
Com este nível evolutivo de Humanidade que somos, talvez
se o padrão de troca tivesse sido a troca mesmo (roupas por alimentos,
ferramentas por animais,etc.) provavelmente haveriam máfias e cartéis e
existiria a exploração do homem pelo homem da mesma forma.
Não sou espírita, mas acho que Kardec acertou na mosca
quando chamou nosso planeta de “planeta de expiação”, ou seja, aqui é um
laboratório perfeito para lapidar pessoas como nós que ainda estamos cheios de
raivas, medos, ciúmes, invejas, ambições e apegos.
E nada melhor do que corrupção, desonestidade, desamor,
violência e ganância para podermos treinar as virtudes e qualidades que devemos
desenvolver.
Um Mestre que conheci dizia que se Deus colocasse esta Humanidade
no Paraíso, ela o transformaria em um inferno rapidinho.
Então o que parece “estar errado” – como se Deus tivesse
se distraído e Satanás se aproveitou para fazer das suas, ou como se tudo fosse
um grande acaso cósmico – pode ser “estar desequilibrado”, pois aí sim existe
um real convite para se reequilibrar, para se trabalhar, para se evoluir.
Pois do contrário – estar errado – o convite seria para
consertar o que foi criado com defeito, o que parece bastante improvável.
Não só as culturas milenares da India e da China como a
moderna Física Quântica reconhecem a natureza essencialmente auto reguladora do
Universo.
Sempre que o sistema de desequilibra, esta força auto
reguladora trabalha pelo seu reequilibrio. E sempre que o sistema se
(re)equilibra a força auto reguladora trabalha para o seu desequilíbrio, senão
não haveria crescimento e evolução. Tudo se estagnaria.
Então quando a força auto reguladora desequilibra o
sistema para poder ser reequilibrado novamente dando sequencia à espiral
evolutiva, devemos considerar que ela está errada?
É claro que isso não quer dizer que tenhamos que cruzar
os braços e não fazer nada. Isso seria muito fácil.
E o que o Universo quer de nós é trabalho. Trabalho
interno e externo intenso.
Ele quer que entendamos de uma vez por todas que só se
muda o externo quando se muda o interno, pois o externo é um espelho, um
reflexo do interno. Uma coisa está intrinsecamente relacionada com a outra.
O Universo quer de nós trabalho humilde e desapegado com
a consciência de que não viemos aqui para salvar nada. Viemos aqui apenas para
descobrir e re-experienciar quem nós somos – a Unidade.
Livros muito antigos como o Bhagavad Gita e o Tao Te King
podem dar boas dicas sobre a complexa questão da ação na inação e inação na
ação.
Acho que estamos urgentemente precisando entender profundamente
estes fundamentais conceitos.
2. Culpado
X responsável:
Uma das mais nocivas invenções da igreja – entenda-se
aqui por igreja as religiões que tem sua origem no Antigo Testamento, como o
judaismo, o catolicismo, o protestantismo e o islamismo - que com suas culpas e
pecados manteve a autoestima coletiva sempre no pé, tornando-a assim um
material fácil de ser manipulado e controlado para atender a interesses
normalmente nada espirituais.
O que as tradições milenares e as modernas linhas
transpessoais de terapias sugerem é que, se todos somos Um e se todos somos
co-participantes e co-criadores da existência, Deus (seja lá como cada um O
concebe) antes de mais nada mora dentro de cada ser e de cada coisa existente
no Universo e nos conhece melhor que nós mesmos.
E esta instância inteligente que vive em nós, atrai as
experiências – que nos vem através de pessoas e eventos – perfeitamente necessárias
para nosso crescimento e evolução, mesmo que não as entendamos ou as aceitemos.
E isso anula a possibilidade real de existirem de fato vitimas
e culpados.
Foi a igreja quem inventou que existe uma guerra do Bem
contra o Mal.
Mas a função do Mal não é derrotar o Bem, é se
transformar em Bem. Assim como a função da sombra não é apagar a Luz, e sim ser
iluminada.
E esta perspectiva recoloca em nossas mãos – em parceria
com esse Deus interno - a responsabilidade plena sobre a nossa vida e sobre o nosso
destino.
3. Vaidade
X auto valor:
Outra invenção bizarra da igreja para manter em baixa a
auto estima coletiva.
Se amar, se respeitar, se admirar, honrar seu
conhecimento, suas conquistas e realizações, divulgar com competência e
convicção sua imagem profissional e seu trabalho, ter orgulho de suas obras
expo-las ao mundo, nada disso é vaidade.
É auto valor. É alta auto estima.
Vaidade é quando se começa a querer competir e a se comparar
com o outro.
E aí Freud
explica, pois a vaidade vem tentar justamente tentar compensar baixo auto valor
e baixa auto estima.
4. Egoísmo
X Eu primeiro:
Mais outra “pérola” eclesiática!
E é também um show de incoerência, na medida em que Jesus
em sua famosa máxima declarou : “Amai ao próximo como a ti mesmo”.
E como eu vou amar decentemente alguém se eu me considero
culpado e pecador congênito ? Como vou dar o que não tenho ? Que qualidade de
amor eu vou poder compartilhar?
O que vou acabar fazendo na verdade é mendicância ou
vampirismo na tentativa de obter do outro o amor e a aceitação que eu não dou
para mim porque me disseram que eu era culpado e pecador de nascença.
Então “Eu primeiro” parece ser o caminho mais inteligente
para poder vir realmente a amar a si e consequentemente, amar ao próximo com
qualidade.
O egoísmo é outra coisa.
Egoísmo é ”Só eu”, o que é muito diferente.
Também tem seu Freud aí tentando reter no externo o que
se pensa que não tem dentro, com o objetivo de completar um aparente vazio
interno.
Egoísmo é patologia. “Eu primeiro” é saudável.
Até porque só nós podemos verdadeiramente fazer por nós.
O outro só pode nos dar ou fazer o que é perecível e passageiro.
5. Prosperidade
material X pobreza “santa”:
“É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha
do que um rico entrar no Reino dos Céus” é mais uma dessas estratégias eclesiásticas
destinadas a encher os cofres da Sé.
Aí a igreja também inventou que dar é mais nobre do que
receber, que fazer pelo outro é mais nobre do que fazer por si e que o que é
gratuito é mais bacana que o que é cobrado.
Considerando – e mais uma vez tomando emprestado
conhecimentos milenares – que o Universo funciona na mão dupla (lembra de yin & yang?) em permanente dinâmica de troca e de homeostase, dar mais
que receber (e vice versa) desequilibra o sistema.
Considerar o outro mais importante do que eu, só mantém
minha auto estima lá no pé (pois coloca o outro superior a mim) e em algum
lugar de mim o que realmente dá é muita raiva.
E sabemos que tudo o que é gratuito não é dado valor.
Porque só tem valor quando é troca. Nada é gratuito no Universo. Tudo é troca. Seja
na física, na biologia. na química ou no
campo da energia.
Daí prá demonizar o dinheiro foi um passo, como se todos
os ricos fossem
necessáriamente maus e todos os pobres, bons.
No que me diz respeito, em quase 30 anos como buscador e
como profissional terapeuta cruzei em meu caminho com inúmeros “ricos da luz”,
gente cheia da grana, muitas delas engravatadas e trabalhando na cidade em
escritórios, mas muito mais espiritualizadas e evoluídas do que muitos alternativos
naturebas e muitos espiritualistas de “cenário e figurino”, super mal
resolvidos e cheios de inveja e de raiva dos prósperos e dos bem sucedidos, ou
seja, gente que confundiu simplicidade com pobreza.
Se você não é uma Madre Tereza, nem um Chico Xavier nem um
Dalai Lama (que já estão em outro nível evolutivo), trabalhe pela sua
prosperidade material, pois ela é uma expressão direta do seu poder pessoal e
do seu auto valor.
E poder pessoal e auto valor são expressões de uma libido
saudável forjada pelo desenvolvimento pleno e equilibrado de suas
potencialidades e talentos.
ERNANI FORNARI
Alguns questionamentos:
ResponderExcluirGostei muito da parte que fala da culpa, realmente como podemos dar o que não temos? Como amar se nos sentimos culpados? De fato é contraditório! Sim, a humanidade transformou o paraíso num inferno., só se muda o externo quando se muda o interno.
Sobre a frase "Foi a igreja quem inventou que existe uma guerra do Bem contra o Mal. Mas a função do Mal não é derrotar o Bem, é se transformar em Bem" eu diria que a função do bem não é derrotar o mal, mas jogar luz para ajuda-lo a transformar-se em bem. "Assim como a função da sombra não é apagar a Luz, e sim ser iluminada". Permita-me colocar que isto pode ser um equívoco. O que ocorre não seria algo mais assim: que a função da luz não é lutar contra a sombra, mas sim, iluminá-la?!
Sobre Vaidade X auto valor, necessário questionarmos o seguinte: De onde nasce a vontade de "divulgar com competência e convicção" nossa imagem profissional e nosso trabalho? De onde vem o orgulho de nossas obras? A vontade de expô-las ao mundo? Não viria da necessidade em ser olhado, bem visto elogiado, aplaudido, de receber um tapinha nas costas? Como assim isso não é vaidade? Auto-estima é nada mais nada menos do que "a imagem que tenho de mim mesmo". A questão seria trocar uma auto-imagem ruim por uma boa, ou não ter imagem alguma? Isso seria possível? O que acontece quando alguém fere a imagem que tenho de mim mesmo? Não seria conflito? Digamos que eu me ache o bom e alguém diz: “você é um merda". Daí não surge conflito? O problema no mundo seria ter imagens ruins de si mesmo, ou simplesmente ter imagens?
Certamente a igreja inventou que dar é mais nobre do que receber, que fazer pelo outro é mais nobre do que fazer por si e que o que é gratuito é mais bacana que o que é cobrado. Sim, dar mais que receber (e vice versa) desequilibra o sistema. Mas uma coisa é receber, outra, é "buscar receber". Considerar o outro mais importante do que eu, mantém baixa a minha "auto-estima", coloca o outro superior a mim, mas considerar o outro menos importante do que eu – eu primeiro – mantem minha auto estima auta, e auto estima auta é a imagem que faço de mim mesmo, uma imagem que se magoa quando confrontada.
Sim, endemoniaram o dinheiro e confundiram simplicidade com pobreza, mas na real o "inferno" que vivenciamos nessa história não é o dinheiro, e sim, o sistema que faz do dinheiro um Deus. Quando dizes "trabalhe pela sua prosperidade material", eu lembro de uma frase de Jesus que é assim: Buscai primeiro o Reino de Deus, e tudo mais vos será acrescentado. "Reino de Deus", ao que vejo, nada mais é do que despertar um estado de consciência onde nos tornamos perceptivos do falso que opera em nós mesmos e com o qual nos confundimos, derivando nosso senso de ser. Perceber a inconsciência e como ela opera já é consciência, e só a partir deste estado podemos vivenciar algo dito sagrado.