sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

DESTRINCHANDO  ALGUNS  EQUÍVOCOS

Como estudioso, pesquisador e escritor de assuntos como espiritualidade e terapias, achei por bem continuar abordando e refletindo aqui sobre alguns temas que sofreram muitas distorções e mal entendidos através dos tempos, e que continuam contribuindo para fomentar muita confusão e muito atraso evolutivo na Humanidade.

Vou abordar por tópicos:

1.   Estar errado X estar desequilibrado:

É muito comum - especialmente atualmente - ver as pessoas atribuindo o preocupante estado planetário, principalmente no que diz respeito à ética, honestidade e ecologia, exclusivamente ao homem e ao dinheiro.

O sentimento geral é o de que está tudo errado, e que por causa do maldito dinheiro o homem estragou tudo o que era perfeito e maravilhoso.

Talvez, em primeiro lugar, seja interessante refletir sobre o livre-arbítrio.

Aprendemos (muito em função da igreja) que livre-arbítrio é uma espécie de super poder que Deus deu ao homem de fazer o que lhe dá na telha à revelia da ordem cósmica.

Talvez – tomando aqui emprestado os conhecimentos orientais e nativos – o livre-arbítrio seja uma capacidade de escolha que está profundamente entretecida e entrelaçada com todos os livres-arbítrios de todos os outros seres viventes da Criação numa inteligente e perfeita relação de causa e efeito (que os hindus chamam de Karma).

Ou seja, o homem definitivamente não tem esse poder todo de destruir um planeta passando por cima da perfeita inteligência criadora.

Nem o dinheiro é a causa disso, já que dinheiro é apenas um padrão de troca de qualidade neutra.

Parece que o problema mesmo está no nível evolutivo da mente humana, e não no que se convencionou ser o padrão de troca.

Com este nível evolutivo de Humanidade que somos, talvez se o padrão de troca tivesse sido a troca mesmo (roupas por alimentos, ferramentas por animais,etc.) provavelmente haveriam máfias e cartéis e existiria a exploração do homem pelo homem da mesma forma.

Não sou espírita, mas acho que Kardec acertou na mosca quando chamou nosso planeta de “planeta de expiação”, ou seja, aqui é um laboratório perfeito para lapidar pessoas como nós que ainda estamos cheios de raivas, medos, ciúmes, invejas, ambições e apegos.

E nada melhor do que corrupção, desonestidade, desamor, violência e ganância para podermos treinar as virtudes e qualidades que devemos desenvolver.

Um Mestre que conheci dizia que se Deus colocasse esta Humanidade no Paraíso, ela o transformaria em um inferno rapidinho.

Então o que parece “estar errado” – como se Deus tivesse se distraído e Satanás se aproveitou para fazer das suas, ou como se tudo fosse um grande acaso cósmico – pode ser “estar desequilibrado”, pois aí sim existe um real convite para se reequilibrar, para se trabalhar, para se evoluir.

Pois do contrário – estar errado – o convite seria para consertar o que foi criado com defeito, o que parece bastante improvável.

Não só as culturas milenares da India e da China como a moderna Física Quântica reconhecem a natureza essencialmente auto reguladora do Universo.

Sempre que o sistema de desequilibra, esta força auto reguladora trabalha pelo seu reequilibrio. E sempre que o sistema se (re)equilibra a força auto reguladora trabalha para o seu desequilíbrio, senão não haveria crescimento e evolução. Tudo se estagnaria.

Então quando a força auto reguladora desequilibra o sistema para poder ser reequilibrado novamente dando sequencia à espiral evolutiva, devemos considerar que ela está errada?

É claro que isso não quer dizer que tenhamos que cruzar os braços e não fazer nada. Isso seria muito fácil.

E o que o Universo quer de nós é trabalho. Trabalho interno e externo intenso.

Ele quer que entendamos de uma vez por todas que só se muda o externo quando se muda o interno, pois o externo é um espelho, um reflexo do interno. Uma coisa está intrinsecamente relacionada com a outra.

O Universo quer de nós trabalho humilde e desapegado com a consciência de que não viemos aqui para salvar nada. Viemos aqui apenas para descobrir e re-experienciar quem nós somos – a Unidade.

Livros muito antigos como o Bhagavad Gita e o Tao Te King podem dar boas dicas sobre a complexa questão da ação na inação e inação na ação.

Acho que estamos urgentemente precisando entender profundamente estes fundamentais conceitos.


2.   Culpado X responsável:

Uma das mais nocivas invenções da igreja – entenda-se aqui por igreja as religiões que tem sua origem no Antigo Testamento, como o judaismo, o catolicismo, o protestantismo e o islamismo - que com suas culpas e pecados manteve a autoestima coletiva sempre no pé, tornando-a assim um material fácil de ser manipulado e controlado para atender a interesses normalmente nada espirituais.

O que as tradições milenares e as modernas linhas transpessoais de terapias sugerem é que, se todos somos Um e se todos somos co-participantes e co-criadores da existência, Deus (seja lá como cada um O concebe) antes de mais nada mora dentro de cada ser e de cada coisa existente no Universo e nos conhece melhor que nós mesmos.

E esta instância inteligente que vive em nós, atrai as experiências – que nos vem através de pessoas e eventos – perfeitamente necessárias para nosso crescimento e evolução, mesmo que não as entendamos ou as aceitemos.

E isso anula a possibilidade real de existirem de fato vitimas e culpados.

Foi a igreja quem inventou que existe uma guerra do Bem contra o Mal.

Mas a função do Mal não é derrotar o Bem, é se transformar em Bem. Assim como a função da sombra não é apagar a Luz, e sim ser iluminada.

E esta perspectiva recoloca em nossas mãos – em parceria com esse Deus interno - a responsabilidade plena sobre a nossa vida e sobre o nosso destino.


3.   Vaidade X auto valor:

Outra invenção bizarra da igreja para manter em baixa a auto estima coletiva.

Se amar, se respeitar, se admirar, honrar seu conhecimento, suas conquistas e realizações, divulgar com competência e convicção sua imagem profissional e seu trabalho, ter orgulho de suas obras expo-las ao mundo, nada disso é vaidade.

É auto valor. É alta auto estima.

Vaidade é quando se começa a querer competir e a se comparar com o outro.

 E aí Freud explica, pois a vaidade vem tentar justamente tentar compensar baixo auto valor e baixa auto estima.

4.   Egoísmo X Eu primeiro:

Mais outra “pérola” eclesiática!

E é também um show de incoerência, na medida em que Jesus em sua famosa máxima declarou : “Amai ao próximo como a ti mesmo”.

E como eu vou amar decentemente alguém se eu me considero culpado e pecador congênito ? Como vou dar o que não tenho ? Que qualidade de amor eu vou poder compartilhar?

O que vou acabar fazendo na verdade é mendicância ou vampirismo na tentativa de obter do outro o amor e a aceitação que eu não dou para mim porque me disseram que eu era culpado e pecador de nascença.

Então “Eu primeiro” parece ser o caminho mais inteligente para poder vir realmente a amar a si e consequentemente, amar ao próximo com qualidade.

O egoísmo é outra coisa.

Egoísmo é ”Só eu”, o que é muito diferente.

Também tem seu Freud aí tentando reter no externo o que se pensa que não tem dentro, com o objetivo de completar um aparente vazio interno.

Egoísmo é patologia. “Eu primeiro” é saudável.

Até porque só nós podemos verdadeiramente fazer por nós. O outro só pode nos dar ou fazer o que é perecível e passageiro.

5.   Prosperidade material X pobreza “santa”:

“É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus” é mais uma dessas estratégias eclesiásticas destinadas a encher os cofres da Sé.

Aí a igreja também inventou que dar é mais nobre do que receber, que fazer pelo outro é mais nobre do que fazer por si e que o que é gratuito é mais bacana que o que é cobrado.

Considerando – e mais uma vez tomando emprestado conhecimentos milenares – que o Universo funciona na mão dupla (lembra de yin & yang?) em permanente dinâmica de troca e de homeostase, dar mais que receber (e vice versa) desequilibra o sistema.

Considerar o outro mais importante do que eu, só mantém minha auto estima lá no pé (pois coloca o outro superior a mim) e em algum lugar de mim o que realmente dá é muita raiva.

E sabemos que tudo o que é gratuito não é dado valor. Porque só tem valor quando é troca. Nada é gratuito no Universo. Tudo é troca. Seja na física, na  biologia. na química ou no campo da energia.

Daí prá demonizar o dinheiro foi um passo, como se todos os ricos fossem 
necessáriamente maus e todos os pobres, bons.

No que me diz respeito, em quase 30 anos como buscador e como profissional terapeuta cruzei em meu caminho com inúmeros “ricos da luz”, gente cheia da grana, muitas delas engravatadas e trabalhando na cidade em escritórios, mas muito mais espiritualizadas e evoluídas do que muitos alternativos naturebas e muitos espiritualistas de “cenário e figurino”, super mal resolvidos e cheios de inveja e de raiva dos prósperos e dos bem sucedidos, ou seja, gente que confundiu simplicidade com pobreza.

Se você não é uma Madre Tereza, nem um Chico Xavier nem um Dalai Lama (que já estão em outro nível evolutivo), trabalhe pela sua prosperidade material, pois ela é uma expressão direta do seu poder pessoal e do seu auto valor.

E poder pessoal e auto valor são expressões de uma libido saudável forjada pelo desenvolvimento pleno e equilibrado de suas potencialidades e talentos.


ERNANI FORNARI

Um comentário:

  1. Alguns questionamentos:

    Gostei muito da parte que fala da culpa, realmente como podemos dar o que não temos? Como amar se nos sentimos culpados? De fato é contraditório! Sim, a humanidade transformou o paraíso num inferno., só se muda o externo quando se muda o interno.

    Sobre a frase "Foi a igreja quem inventou que existe uma guerra do Bem contra o Mal. Mas a função do Mal não é derrotar o Bem, é se transformar em Bem" eu diria que a função do bem não é derrotar o mal, mas jogar luz para ajuda-lo a transformar-se em bem. "Assim como a função da sombra não é apagar a Luz, e sim ser iluminada". Permita-me colocar que isto pode ser um equívoco. O que ocorre não seria algo mais assim: que a função da luz não é lutar contra a sombra, mas sim, iluminá-la?!

    Sobre Vaidade X auto valor, necessário questionarmos o seguinte: De onde nasce a vontade de "divulgar com competência e convicção" nossa imagem profissional e nosso trabalho? De onde vem o orgulho de nossas obras? A vontade de expô-las ao mundo? Não viria da necessidade em ser olhado, bem visto elogiado, aplaudido, de receber um tapinha nas costas? Como assim isso não é vaidade? Auto-estima é nada mais nada menos do que "a imagem que tenho de mim mesmo". A questão seria trocar uma auto-imagem ruim por uma boa, ou não ter imagem alguma? Isso seria possível? O que acontece quando alguém fere a imagem que tenho de mim mesmo? Não seria conflito? Digamos que eu me ache o bom e alguém diz: “você é um merda". Daí não surge conflito? O problema no mundo seria ter imagens ruins de si mesmo, ou simplesmente ter imagens?

    Certamente a igreja inventou que dar é mais nobre do que receber, que fazer pelo outro é mais nobre do que fazer por si e que o que é gratuito é mais bacana que o que é cobrado. Sim, dar mais que receber (e vice versa) desequilibra o sistema. Mas uma coisa é receber, outra, é "buscar receber". Considerar o outro mais importante do que eu, mantém baixa a minha "auto-estima", coloca o outro superior a mim, mas considerar o outro menos importante do que eu – eu primeiro – mantem minha auto estima auta, e auto estima auta é a imagem que faço de mim mesmo, uma imagem que se magoa quando confrontada.

    Sim, endemoniaram o dinheiro e confundiram simplicidade com pobreza, mas na real o "inferno" que vivenciamos nessa história não é o dinheiro, e sim, o sistema que faz do dinheiro um Deus. Quando dizes "trabalhe pela sua prosperidade material", eu lembro de uma frase de Jesus que é assim: Buscai primeiro o Reino de Deus, e tudo mais vos será acrescentado. "Reino de Deus", ao que vejo, nada mais é do que despertar um estado de consciência onde nos tornamos perceptivos do falso que opera em nós mesmos e com o qual nos confundimos, derivando nosso senso de ser. Perceber a inconsciência e como ela opera já é consciência, e só a partir deste estado podemos vivenciar algo dito sagrado.

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