sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

SOBRE A PRIMEIRA E A TERCEIRA IDADES

   I. Dentre as muitas coisas das culturas orientais e das culturas xamânicas que me marcaram profundamente está a forma como hindus e os índios lidam com a educação das crianças e com a velhice.

    Hoje sou muito grato ao Universo por ter tecido o meu encontro com estas duas tradições.

    Isso mudou radicalmente o meu padrão de relação com meus filhos e com meus pais, e norteou para mim a possibilidade de uma via de envelhecer muito mais plena e saudável.

    Não é interessante que em muitas culturas orientais, o melhor cômodo da casa seja destinado para as pessoas mais velhas ?

    Nas culturas indígenas os anciões são quem lidera, decide, orienta e ensina. Todo respeito (e ouvidos) lhes é devido.

    Na cultura nativa norte-americana a maturidade está relacionada com o ponto cardeal Norte, o lugar dos ancestrais e dos Mestres.  E em muitas destas etnias indígenas, só pode ser portador do Cachimbo Sagrado quem já é avô.

    O Norte é o ponto da Roda de Cura onde já se tem o que ensinar, onde já se tem experiência e know-how para passar.

    E isto era extremamente importante tanto para a preservação da cultura e do Conhecimento, quanto também para a preservação física da própria tribo.

    Penso que uma pessoa idosa deveria ter três coisas para compartilhar com a gerações mais jovens :  a experiência da vida, os conhecimentos e a Sabedoria.

    Experiência da vida - ou vivência - é aquele tipo de conhecimento fruto do tempo cronológico vivido. Basta ser velho para ter experiência da vida.

    Este tipo de vivência nivela, por exemplo, o catedrático de física e o peão da roça.

    Por outro lado, conhecimentos, acúmulo de informações, de cultura, técnicas, talentos, habilidades, todos os idosos também tem, cada um na sua área de atuação e de interesses.

    O terceiro tipo - que chamei de Sabedoria - é um tipo de conhecimento oriundo de uma vida inteira dedicada – conjuntamente com a vida rotineira - ao exercício da tarefa mais importante do ser humano : sua jornada de auto-conhecimento rumo à Unidade.

    Este exercício que é tão comum aos universos oriental e nativo, não teve eco em nossa cultura branca (fora da esfera da religião institucionalizada), e parece que tudo o que nossos velhos podem nos dar são testemunhos da sua vivência e informações sobre seus conhecimentos, o que obviamente é maravilhoso.

    A Sabedoria foi relegada pela nossa cultura ocidental que só privilegiou a mente racional, e não fez da Iluminação a meta principal da existência.

    Nossa cultura branca ocidental é das poucas que além das pessoas nascerem, crescerem, aprenderem um oficio, casarem e procriarem, não se submetem a algum tipo de processo constante de auto conhecimento, ao contrário das culturas orientais e nativas.

    O que esta nossa cultura oferece além da religião (que não necessáriamente é um processo de auto conhecimento), é a Psicologia, que é uma via de auto conhecimento infelizmente ainda pouco difundida e praticada pela maioria da população.

    Hoje, em nosso mundo hi-tech globalizado, descartável e competitivo, a vivência e os conhecimentos práticos dos velhos já não são preponderantes para a preservação física da nossa espécie.  
  
    E como lhes falta também esta Sabedoria ancestral característica de culturas que se dedicaram durante milênios às questões mais primordiais da existência - “quem somos, de onde viemos, e para onde vamos”- vemos nossa cultura tratar o idoso muito mal.

    Repare como os índios, os hindus, os japoneses e os chineses cultuam e reverenciam os antepassados.

    A gratidão, o respeito e o reconhecimento. 

   II. Sobre crianças, gostaria de compartilhar uma interessantíssima conversa que tive há anos atrás com uma mãe indiana, numa situação onde tinham crianças brincando perto e a conversa acabou caindo em educação.  
      
    Percebi que esta indiana, que era muito tímida, não estava expressando exatamente a sua opinião. Acabei insistindo e ela bastante envergonhada disse : “Vocês criam as crianças enfatizando os seus defeitos”. 

    Uma lâmpada acendeu, a ficha caiu e eu perguntei como ela fazia, e ela deu um exemplo prático mostrando as crianças que brincavam :

    “Por exemplo, se uma criança exibe um sintoma de ter dificuldade em compartilhar, arranca os brinquedos dos outros, bate neles, não empresta o brinquedo dele, o que vocês fazem normalmente ? Gritam (geralmente com raiva) dizendo que a criança é egoísta, pão dura, enfatizando e registrando mais ainda a característica negativa em questão. Isso quando não as colocam de castigo ou batem nelas... “

    Bem, aí eu perguntei como ela faria neste caso, e ela me respondeu que procuraria habilmente criar uma brincadeira ou uma situação qualquer onde ela tivesse que compartilhar e percebesse que era bom e prazeroso compartilhar, dividir.

    Aí o que eram tendências de defeitos ainda em formação, poderiam ser transmutadas nas qualidades opostas.

    Um desdobramento interessante desta situação se deu quando uma amiga, para quem eu havia contado este episódio com a indiana, foi passar um período em uma tribo no interior do Brasil, e presenciou uma cena absolutamente similar ao exemplo que a indiana havia dado, ou seja, as índias se comportaram como as indianas em um episódio muito parecido.

ERNANI FORNARI


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