sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

SOBRE CONCEITOS E PRECONCEITOS

I.             Há alguns anos atrás em meio a uma conversa “papo cabeça” onde estava presente uma pessoa, que não me lembro mais quem era e nem se era católica ou evangélica, mencionei en passant os Orixás.

A pessoa em questão na mesma hora fez uma cara meio entre o horror e o nojo (expressão esta que depois voltei a ver várias vezes em outros papos na presença de outras pessoas cristãs), e proferiu alguma “verdade” preconceituosa tipo “Orixás são demônios” ou algo do gênero.

Aí perguntei para esta pessoa se ela acreditava nos Anjos, e ela prontamente me respondeu que sim.

Em seguida perguntei o que ela achava que os Anjos eram, ao que ela me respondeu que os Anjos eram seres que Deus havia criado para cuidar da Criação e do ser humano.

Não querendo polemizar, pensei cá comigo que se esta pergunta fosse feita, por exemplo, a um babalaorixá africano (Quem são os Orixás?) ou a um brahmane hindu (Quem são os Devas?) com toda a certeza a resposta seria exatamente a mesma.

E fica aqui a reflexão : como é maravilhosa a natureza absolutamente democrática de Deus que atendeu à enorme diversidade da humanidade, e se apresentou a cada povo ao longo da História respeitando profundamente as suas características geográficas, históricas, raciais e culturais.

Seria realmente um absurdo divino, por exemplo, os negros africanos ou os vermelhos nativos das Américas acessarem os Seres Divinos como anjos de pele branca, louros, de cabelos lisos e longas vestes...

Ao mesmo tempo parece não ocorrer aos cristãos que os povos negros, indígenas e orientais possam ter também uma visão demoníaca – e talvez com muito mais razão – a respeito de uma religião que manteve uma inquisição por mais de um milênio matando muito mais gente que as duas guerras mundiais por motivos torpes, fomentando pilhagens e chacinas chamadas de Cruzadas, sendo conivente (ou no mínimo omissa) com os genocídios e a escravidão que ocorreram nas 3 Américas, e mais recentemente acobertando a pedofilia e outros escândalos no Vaticano. E isso só para citar uns poucos fatos, pois tem muito mais.

II.                  Interessante como as igrejas evangélicas não entendem que Jorge, Francisco de Assis, Antonio, Inácio, Bento e tantos outros cristãos maravilhosos cujas vidas foram e são exemplos de fé e de virtude, não tem culpa nenhuma se a igreja católica deu para eles o título de "santos" e estimulou uma espécie de idolatria como se só eles tivessem o email de Deus.

Interessante como as religiões cristãs com sua obcessão por culpa e pecado - ao contrário por exemplo das orientais - não conseguiram entender que já nascemos perfeitos e prontos, só que ignorantes desse fato. Senão o que mais significaria sermos feitos "à imagem e semelhança de Deus" ?

Por isso os Santos, Anjos, Gurus, Devas e Orixás rigorosamente não nos podem dar nada, pois já somos essencialmente plenos e perfeitos e não nos falta nada. 

Mas estes mesmos Santos, Anjos, Gurus, Devas e Orixás fazem um trabalho indispensável e importantíssimo ao nos ajudarem a descobrir e realizar que já somos o Deus que tanto (e inutilmente) buscamos fora. 

Interessante também foi o processo da formação dos mitos, quando cada cultura colocou externamente, de maneira antropomorfizada, todas as virtudes, potencialidades e qualidades que todos temos dentro mas ainda não experienciamos plenamente. Aí cada cultura construiu sua própria estrutura mítica - sua mitologia - de forma a constantemente espelhar para nós a nossa própria natureza essencialmente una e divina.

Para os orientais os santos e deuses, como expressões do mesmo único Deus, são como que símbolos cuja função maior é nos lembrar (e nos inspirar) continuamente de nossa natureza una e perfeita.

Interessante como mesmo assim, ainda continua-se buscando fora aquilo que já se tem dentro, num exercício quase infantil de idolatria e de mendicância espiritual.


III.           Foi há muitos anos atrás, quando aluguei meu sitio para uma família adventista que ficou tentando acirradamente me converter para o Criacionismo (embora eu não empunhasse nenhuma bandeira darwiniana), que eu tive o meu primeiro insight sobre se estas duas correntes de pensamento teriam obrigatoriamente que ser antípodas e antagônicas, ou se de repente quem sabe, poderiam ser complementares.

E isso me linkou imediatamente com uma palestra de um monge indiano que assisti nos anos 80, quando lá pelas tantas ele contou que uma vez estava fazendo uma palestra em um mosteiro católico, e no final um dos monges lhe perguntou se ele acreditava que Deus havia criado o mundo.

E o swami respondeu ao monge que, segundo a sua tradição, ele acreditava que não só Deus havia criado o mundo como o estava criando constantemente.

Então a pergunta que não quer calar é: Porque Deus não pode realmente estar criando (como querem os criacionistas) incessantemente a vida como um complexo processo evolutivo (como quer a ciência) ?

Qual é realmente o problema dos criacionistas com a possibilidade de um processo evolutivo ?

Porque a possibilidade de Deus ter feito tudo pronto e acabado é mais bacana e verdadeiro do que a Criação se processar nesta constante expansão da vida que os orientais, os xamãs e a Física Quântica conhecem tão bem?

E quem disse que Deus criou um produto final acabado ?  A Bíblia?

Ok. E isso vai nos remeter para uma outra questão também muito interessante:

Os criacionistas se baseiam justamente no livro do Genesis - que até detalha o que foi criado em cada um dos 7 dias - para formularem os seus argumentos.

Bem, nos primórdios da Igreja quando os lideres de então se reuniram para estruturar o que se tornou a Bíblia Sagrada, resolveram anexar ao material cristão (os evangelhos e as epístolas, entre outros) – que eles chamaram de Novo Testamento – a Torah judaica, que eles chamaram de Velho Testamento.

Ora, se o Genesis é o primeiro livro da Torah, porque os cristãos ao invés de resolverem dar a um mito uma interpretação literal, não foram perguntar aos rabinos judeus o que aquele texto realmente queria dizer?

Até porque não faz muito sentido anexar na escritura de uma religião um livro de uma outra religião e ainda mudar a interpretação do que foi escrito. E foi isso exatamente o que a Igreja fez (e que depois o Protestantismo manteve).

Se Jesus disse que não veio mudar a lei (e deve ter sido porque ele era judeu que resolveram colocar a Torah na Biblia cristã), porque então os cristãos não aceitaram a exegese judaica do Genesis ?

Além do texto ser claramente um mito da criação - como tantos outros que a humanidade produziu ao longo da sua história - sabemos que a chave deste conhecimento que foi revelado para Moisés está no estudo profundo do que os judeus chamam de Kaballah.
Ou seja, só os judeus que estudam a Kaballah é que podem saber o que realmente o Genesis (bem como todo o Pentateuco) quer dizer !

E me parece que procurar se informar sobre isso é mais inteligente do que ficar tentando provar que a criação do mundo só tem 6000 anos e que o teste de carbono 14 é mais uma das fantásticas formas de Satanás nos enganar.

ERNANI FORNARI


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